SÃO RICARDO (03/04)

SÃO RICARDO, Bispo e Confessor (1197-1253)
Infância – São Ricardo era o caçula de três filhos dos seus pais e nasceu em Inglaterra (condado de Worcester, na pequena cidade de Wiche), em 1197 (ou 1198). Os seus pais, Ricardo e Alicia de Wiche, possuíam algumas terras. O pai era cavaleiro e conseguiu junta certa riqueza. Porém, os pais morreram quando São Ricardo tinha apenas 3 anos; os três irmãos e os bens herdados foram entregues a um tutor que, não cumprindo seus deveres, não cuidou bem dos três irmãos nem dos bens e propriedades dos mesmo, usufruindo dos benefícios, mas deixando tudo perder seu valor, o que fez com que as crianças caíssem numa pobreza profunda.
Jovem administrador – São Ricardo desde criança mostrava inclinação para a leitura e esperança para gerenciar os negócios da família. Após a morte do tutor e chegando o irmão mais velho, chamado Roberto, à idade adequada para cuidar dos negócios acabou muito sobrecarregado com dívidas acumuladas. Por isso pediu a seu irmão mais novo, São Ricardo, que ajudasse a gerenciar e remediar o estado lamentável dos negócios. Apesar de gostar muito dos estudos, conhecendo a situação da família, São Ricardo deixou de lado os livros e trabalhou generosamente; depois de um trabalho constante, ora no arado, ora no gerenciamento, com sua dedicação e boa administração, conseguiu restabelecer e ordenar o patrimônio da família.
Em reconhecimento o irmão mais velho cedeu todos os direitos de propriedade a São Ricardo, mas quando o Santo soube que Roberto queria propor o casamento do irmão mais novo com uma jovem herdeira que, de fato, era um bom partido, o Santo mostrou-se indiferente e insensível aos encantos da jovem, menos ainda aos seus bens. Então devolveu todos os direitos patrimoniais ao irmão mais velho, assim como a oportunidade do casamento com aquela jovem. Assim partiu para a Universidade de Oxford praticamente sem dinheiro nenhum para prosseguir seus estudos.
Universitário – Em Oxford, São Ricardo se inclinou extraordinariamente à filosofia e, para melhor se aperfeiçoar, foi para Paris. Muito teve que sofrer nosso Santo na cidade universitária, ora pelo trato com todo tipo de pessoas, algumas entregues aos mais diversos tipos de paixões violentas, ora pela pobreza em que vivia. Ele fez amizade com dois amigos escolhidos, que eram tão pobres como ele; eram tão pobres que eles só tinham um uniforme, por isso, se revezavam para ir às aulas. Na época do inverno não tinha dinheiro para comprar lenha, então, corria para se esquentar. A sua comida era mais do que frugal, um pouco de pão e vinho era suficiente, e eles só comiam carne ou peixe aos domingos. São Ricardo, no entanto, mais tarde disse que estes foram os melhores anos de sua vida. A sua modéstia, castidade, mansidão e devoção conquistaram-lhe o respeito e o amor de todos.
Chanceler – Quando um dos seus professores quis casá-lo com sua filha e fazê-lo seu herdeiro, o Santo retornou a Oxford. Os seus sucessos foram rápidos e notáveis, de modo que no seu regresso a Inglaterra ensinou com grande distinção na Universidade de Oxford. Além do mestrado em filosofia, estudou também Direito Canônico, e alcançou o doutorado. Quase imediatamente foi nomeado Chanceler (espécie de presidente ou ministro) da Universidade, e logo depois o arcebispo de Canterbury, Santo Edmundo Rich, e o bispo de Lincoln, Grossatesta, o convidaram para trabalhar com eles.
São Ricardo aceitou o pedido de Santo Edmundo e tornou-se seu confidente e braço direito, ajudando-o quanto podia em sua difícil missão. O dominicano Ralph Bocking, que depois foi o confessor e biógrafo de São Ricardo, escreveu sobre a amizade destes dois Santos: “Um descansava no outro: o Santo no Santo, o mestre no discípulo e o discípulo no mestre, o pai no filho e o filho no pai.” A identificação entre os dois era enorme, inclusive na vida simples e pobre.
Santo Edmundo precisava muito da ajuda e bondade de seu chanceler para lutar contra as dificuldades, das quais a principal era o de costume do rei Henrique III em manter vacante os benefícios eclesiásticos[1] para ficar com as rendas, ou nomear para eles os seus escolhidos e favoritos. O arcebispo fazia o que podia para reparar esse estado, mas nada conseguia; já velho e enfermo o Santo prelado se retiro para um mosteiro, acompanhado por São Ricardo que o assistiu até a morte. Depois disso São Ricardo foi para a casa dos dominicanos em Orleans, aí permaneceu dois anos e foi ordenado presbítero em 1243. Em Orleans São Ricardo edificou um oratório em honra de seu Santo amigo Edmundo, o primeiro de uma serie em vários lugares; em 1247 a Igreja elevou Santo Edmundo à honra dos altares. De volta à Inglaterra quis passar o resto de seus dias exercendo o ministério sacerdotal numa paróquia que Santo Edmundo havia deixado para ele, mas o novo arcebispo o descobriu e o chamou de volta para assumir sua antiga função de chanceler da arquidiocese. O arcebispo viu em São Ricardo alguém predestinado a cargos mais elevados.
Eleição – Em 1244, morreu o bispo de Chichester. O rei Henrique III fez pressão sobre os cônegos e estes elegeram o indicado do rei, o arquidiácono Roberto Passelewe, homem sem qualidades que, segundo Mateo Paris, “tinha obtido o favor do rei mediante um contrato injusto que ajuntou alguns milhões ao tesouro real”. Porém, o arcebispo de Canterbury, o Beato Bonifácio de Saboya, se negou a confirmar a eleição e convocou seus sufragâneos para um Capítulo que declarou inválida a eleição e escolheu a São Ricardo, que era o candidato do primaz, para ocupar aquela sede.
O rei furioso proibiu a entrada de São Ricardo em qualquer baronato ou posse secular da coroa em sua diocese. São Ricardo procurou por todos os meios encontrar-se pessoalmente com o rei, mas não conseguiu. Também não conseguiu que o rei confirmasse sua eleição nem que ele devolvesse as rendas retidas injustamente.
Conflitos com a coroa – Finalmente São Ricardo e Henrique III apresentaram a causa ao Papa Inocêncio IV que estava presidindo um concílio em Lyon[2], e o Papa resolveu a questão a favor de São Ricardo e o consagrou bispo no dia 5 de março de 1245.
Retornando à Inglaterra, São Ricardo se deteve um pouco no túmulo de Santo Edmundo para rezar, portanto os documentos papais que anunciava ao rei que devia devolver a posse da sede ao novo bispo e devolver as rendas de sua diocese. Ao chegar o bispo soube que o rei ao invés de renunciar às rendas ainda deu ordem para que ninguém desse dinheiro ao novo bispo nem o recebesse em casa. A situação ficou tão complicada que, por medo do rei, nenhuma porta se abria para o bispo, nem mesmo a porta do seu próprio palácio episcopal, impedido assim de tomar posse de seu bispado, pois o soberano fingia ignorar sua existência, ignorou também os documentos papais e não confirmou a decisão pontifícia e continuou retendo as rendas da diocese.
São Ricardo se viu sem casa e sem dinheiro, ninguém ousava recebê-lo, nem mesmo os sacerdotes, com medo do rei. O bispo começou a vagar pela sua diocese, só um bom sacerdote chamado Simão, pároco da aldeia de Ferring, lhe ofereceu abrigo na sua humilde casa, numa situação inusitada em que o bispo pede esmolas a um padre. Sendo hóspede na sua própria diocese, o Santo começou a trabalhar como bispo missionário: visitava aos pescadores e camponeses, sempre a pé, e todos o seguiam com o olhar quando ele passava pelas ruas; todos conheciam suas necessidades, mas não ousavam ampará-lo por medo do rei.
O Santo aceitou essa situação para que pudesse cumprir o seu dever. Apesar de tudo, o bispo não omitiu suas obrigações, também não forçava seu clero a se rebelar contra o soberano. A diocese era grande, e, para cumprir seus deveres, o bispo tinha que viajar na maior pobreza e quase sempre sozinho, superando imensas distâncias cortadas às vezes por pântanos e matagais, tornando-lhe a vida extremamente penosa. Entretanto, o que mais pesava ao Santo prelado era não poder socorrer seus filhos em suas necessidades, pois ele mesmo era o mais pobre entre eles. Conseguiu o Santo, além de visitas pastorais, reunir vários sínodos mesmo com as dificuldades, como consta nas “Constituições de São Ricardo” que é a coleção das leis eclesiásticas que o Santo ditou para acabar com os abusos da época.
Ao longo do tempo o Bispo tentou várias vezes se apresentar ao rei, nunca se submeteu ou negociou com o soberano, pelo contrário reclamava os bens da diocese e denunciava a injustiça para com os pobres. Várias outras vezes se apresentou ao rei quando este ia a Windsor, mas a cada vez era ou cortesmente despedido ou bruscamente expulso.
Por fim, depois de dois anos de exílio do Santo Bispo na sua própria diocese e de resistência do rei, o Papa ameaçou o rei Henrique III de excomunhão e ele finalmente cedeu, reconheceu o Bispo e lhe devolveu os bens da Igreja, embora não tenha devolvido as rendas anteriores. Com isso a posição de São Ricardo mudou totalmente, pois, uma vez entronizado, pode oferecer a generosa hospitalidade aos peregrinos e dar esplendidas esmolas como era costume dos prelados medievais. Agora livre no exercício do seu ministério, foi notado pela sua grande condescendência para com os pequenos e pela sua misericórdia para com os pobres. Quando lhe advertiram de que suas despesas (especialmente com os pobres) excediam os seus rendimentos, disse ele: “É melhor vender o cavalo e as pratas do que deixar os pobres, membros de Jesus Cristo, sofrer”.
A única coisa que não mudou foi a austeridade pessoal do Santo Bispo: enquanto seus hospedes comiam com fartura, ele observava sua modesta dieta, da qual ele excluía tanto a carne quanto o pecado. Quando ele via os criados levar à cozinha porcos e cordeiros, o Santo dizia com tristeza e com humor: “Pobres criaturas! Se pudessem falar, nos amaldiçoariam, pois as condenamos à morte sem que tenham culpa!” As suas vestes eram as mais simples possíveis para sua posição, em vez de peles finas usava lã, e por baixo uma camisa de pele áspera (cilício), além de correntes que laceravam sua carne.
Frutos – No ano que São Ricardo conseguiu tomar posse houve uma grande fome, isso só fez com que o Santo aumentasse ainda mais suas esmolas de modo que os necessitados sempre saiam de junto do Santo com as mãos cheias. O palácio episcopal tornou-se o principal benfeitor dos pobres. Além disso, fez-se o Bispo presente em todos os lugares de sua diocese, ia a cavalo visitar até os lugares mais distantes.
Mostrou-se também o Santo Bispo muito exigente quanto à disciplina do clero. Reorganizou o cabido e redatou estatutos contra os abusos. Gostava muito do esplendor das cerimônias sagradas e queria sempre que os paramentos e toalhas do altar estivessem impecáveis. O sacerdote que não pregava ou que o fazia sem preparação tinha sua licença suspensa. E nisto o próprio Bispo era o primeiro exemplo do seu clero. Embora fosse severo e rígido nas questões do Direito e da justiça, mostrava-se sempre afável e sua mansidão era inalterada.
Certa vez o conde de Arundel, que tinha caído em excomunhão, mesmo contra sua vontade teve que tratar um assunto com o Santo Bispo. Ao contrário do que o excomungado esperava, o Santo o tratou com toda cortesia e bondade, e ainda suspendeu a sua excomunhão enquanto fosse o seu hóspede.
Durante os oito anos do seu governo, ele ganhou o afeto do povo, mas ainda que fosse muito paternal mostrava-se severo contra a avareza, a heresia e a imoralidade do clero. Nem mesmo a intercessão do arcebispo e do rei conseguia abrandar seus castigos impostos a um sacerdote que havia pecado contra a castidade. Tinha tal horror ao nepotismo que jamais deu preferência a conhecidos.
Um dia, distribuindo pão, teve o suficiente para satisfazer três mil pobres, e sobrou o suficiente para mais cem que vieram depois. Estas multiplicações maravilhosas foram repetidas várias vezes.
Morte – Em 1253, com o fracasso da expedição de São Luís, o Papa encarregou a São Ricardo de pregar uma Cruzada contra os sarracenos. Foi justamente quando o Santo Bispo voltava de uma intensa campanha de pregação quando caiu sobre ele sua última enfermidade. Faltando-lhe as forças foi transportado para o hospital de Santa Maria onde, apesar do seu estado delicado, prometeu assistir a consagração de uma pequena igreja dedicação ao seu amado amigo Santo Edmundo. No dia seguinte cumpriu o que acreditou ser seu último ato público e, durante a cerimônia, dirigiu ao povo algumas palavras, que um historiador nos conservou:
“Amadíssimos irmãos, vos convido a bendizer e louvar comigoao Senhor que nos concedeu a graça de nos acharmos reunidos nesta dedicação em Sua honra e de nosso pai Santo Edmundo. O que eu tenho pedido desde que comecei a celebrar o Santo Sacrifício, o que tenho sempre solicitado em minhas orações é que antes de acabar meus dias possa ao menos consagrar uma basílica a Santo Edmundo. Por isso dou graças ao Senhor por ter escutado os desejos do meu coração; e agora, caríssimos irmãos, sabeis meus irmãos que em breve abandonarei o sacrário de meu corpo; por isso, peço que me ajudem em meu trânsito ao Senhor com as vossas orações.”
O biógrafo disse ainda que depois de celebrar a Missa Solene, voltou ao hospita que, na verdade, era uma casa conhecida como “Mansão de Deus” para sacerdotes pobres e para peregrinos. Aí o Santo convidou que seus amigos ficassem ao seu lado, pois sabia que ia morrer, entre seus amigos estavam ao seu lado Ralph Bocking, Simão de Tarring e outros fiéis amigos. Fez ainda o Santo uma confissão geral, recebeu os santos sacramentos, conservou a lucidez até o fim quando disse: “Senhor, em vossas mãos entrego o meu espírito!”. Depois encomendou-se a Nossa Senhora e morreu beijando o crucifixo. Era 3 de abril de 1253.[3]
Oração – Concedei, ó Deus onipotente, que a augusta solenidade do bem-aventurado São Ricardo, vosso confessor e pontífice, possa aumentar em nós o espírito de piedade e o desejo de salvação. Por Cristo, Nosso Senhor.
Alban Butler, Vidas de los Santos, tomo II, ed. 1964, pp. 22-24.
Edelvives, El Santo de cada dia, tomo II, pp. 343-351.
Abbé L. Jaud, Vie des Saints pour tous les jours de l’année, Tours, Mame, 1950.
Santoral de Juan Esteban Grosez, S.J. Tomo II, (Ed. ICTION, Buenos Aires, 1982)
[1] Alguns cargos e ofícios eclesiásticos eram providos por essas nomeações da coroa que igualmente pagava os devidos emolumentos. Em resumo, eram espécies de funcionários da Igreja nomeados e pagos pelo governo, isso podemos ver nos casos dos beneficiários (que existiram por muito tempo na Igreja), mas também mais abertamente nos casos das investiduras.
[2] O Papa deu calorosa acolhida a São Ricardo. O concílio tinha por objetivo lançar excomunhão a Frederico II, Imperador da Alemanha, que declarava guerra abertamente contra o Papa. Portanto, o caso de São Ricardo só complicaria mais ainda a situação do Papa que, entretanto, não se omitiu e procedeu corretamente repreendendo as ações de Henrique III. De fato, o rei da Inglaterra tinha voto na eleição dos bispo, mas como as duas eleições foram feitas sem consultar a ele, o Papa, declarou as duas irregulares e ali mesmo nomeou com sua autoridade São Ricardo como bispo de Chichester.
[3] Na Acta Sanctorum encontra-se a vida do Santo escrita por seu amigo Ralph Bocking, assim como outra que parece ter sido escrita antes de sua canonização que aconteceu nove anos depois de sua morte.

