SÃO LEÃO MAGNO (11/04)

SÃO LEÃO MAGNO, Papa, Confessor e Doutor – 3ª classe
A sagacidade de Leão I, o sucesso com que defendeu a fé contra as heresias e a sua intervenção perante Átila e Genserico, aumentaram o prestígio da Santa Sé e valeram ao Papa o título de “Grande”. A posteridade só concedeu esse título a outros dois Pontífices: São Gregório I e São Nicolau I. A Igreja homenageia São Leão entre os seus doutores, pelas suas incomparáveis obras teológicas, das quais há muitos extratos nas lições do Breviário.
A família de São Leão era provavelmente toscana, mas ele chamava Roma de sua “pátria”, o que nos leva a pensar que ele nasceu naquela cidade. Não sabemos nada sobre os seus primeiros anos e não sabemos a data da sua ordenação.
Seus escritos provam que ele recebeu uma excelente educação, embora esta não incluísse o estudo do grego. Foi diácono dos Papas São Celestino I e Sisto III; essa posição foi tão importante que São Cirilo escreveu diretamente a ele, e Cassiano dedicou-lhe seu tratado contra Nestório. No ano de 440, quando as disputas dos dois generais imperiais, Aécio e Albino, ameaçaram deixar a Gália à mercê dos bárbaros, Leão foi enviado para mediar entre eles. Quando Sisto III morreu, São Leão ainda estava na Gália; uma embaixada foi até lá para anunciar que ele havia sido eleito Sumo Pontífice.
A consagração ocorreu em 29 de setembro de 440. Desde o primeiro momento, São Leão deu provas de suas excepcionais qualidades de pastor e líder. A pregação era então privilégio quase exclusivo dos bispos; São Leão dedicou-se a instruir sistematicamente o povo de Roma para torná-lo um exemplo para as outras Igrejas. Os noventa e seis sermões autênticos de São Leão que chegaram até nós mostram que ele insistiu na esmola e em outros aspectos sociais da vida cristã e que explicou a doutrina ao povo, especialmente o que se referia à Encarnação.
Felizmente, foram preservadas 143 cartas de São Leão e outras trinta que lhe foram escritas. Através delas podemos ter uma ideia da extraordinária vigilância com que o santo Pontífice acompanhou a vida da Igreja em todo o Império. Ao mesmo tempo em que lutava contra os maniqueístas em Roma, escreveu ao bispo de Aquileia dando-lhe instruções sobre como enfrentar o pelagianismo, que reapareceu naquela diocese.
Santo Toríbio, bispo de Astorga, Espanha, enviou a São Leão uma cópia de sua carta circular sobre o Priscilianismo, seita que havia feito grandes progressos na Espanha, graças à conivência de uma parte do clero. Esta seita era uma mistura de astrologia, fatalismo e doutrina maniqueísta sobre o mal da matéria. Na sua resposta, o Papa refutou amplamente os priscilianistas, referiu-se às medidas que tinha tomado contra os maniqueístas e ordenou a realização de um sínodo para combater a heresia. Várias vezes ele também teve que intervir nos assuntos da Gália; em duas ocasiões repreendeu Santo Hilário, bispo de Arles, que havia excedido o uso de seus poderes como metropolita.
Ele escreveu algumas cartas a Anastácio, bispo de Tessalônica, para confirmar seu cargo como Vigário dos bispos da Ilíria; numa ocasião recomendou maior tato e noutra lembrou-lhe que os bispos tinham o direito de apelar a Roma, “de acordo com a antiga tradição”. No ano de 446, São Leão escreveu à Igreja Africana da Mauritânia, proibindo a eleição de leigos para as sés episcopais, bem como de pessoas recasadas e de pessoas casadas com viúva; na mesma carta ele abordou o delicado problema de como tratar as virgens consagradas a Deus que foram estupradas por bárbaros. Respondendo a certas reclamações do clero de Palermo e Taormina, São Leão escreveu aos bispos da Sicília, ordenando-lhes que não vendessem propriedades da Igreja sem o consentimento do clero.
Nas decisões de São Leão, escritas de forma autoritária e quase dura, não há a menor nota pessoal nem a menor incerteza; não é o homem que fala, mas o sucessor de São Pedro. Esse é o segredo da grandeza e da unidade do caráter de São Leão. Contudo, devemos também mencionar um traço muito humano, que só conhecemos pela tradição, mas que ilustra a importância que o santo dava à eleição dos candidatos às ordens sacras.
No “Prado Espiritual”, Juan Mosco cita estas palavras de Amós, Patriarca de Jerusalém: “Das minhas leituras sei que o bem-aventurado Papa Leão, homem de hábitos angélicos, vigiou e rezou durante quarenta dias junto ao túmulo de São Pedro, pedindo a Deus, por intercessão do Apóstolo, o perdão dos seus pecados. No final daqueles quarenta dias, São Pedro apareceu-lhe e disse: ‘Deus perdoou-te todos os teus pecados, exceto aqueles que cometeste ao conferir ordens sagradas. Bem, terás que dar contas muito rigorosa disso.’”
São Leão proibiu que fossem conferidas ordens aos escravos e a todos aqueles que tivessem praticado ofícios ilegais ou indecentes e introduziu uma lei pela qual a ordenação ao sacerdócio era restrita apenas aos candidatos em idade madura, que tivessem sido exaustivamente testados e qualificados para colocar-se no serviço da Igreja pela sua submissão às regras e pelo seu amor à disciplina.
O santo Pontífice, na qualidade de pastor universal, teve que enfrentar dificuldades maiores no Oriente do que as de qualquer um dos seus antecessores. No ano de 448, recebeu uma carta de um abade de Constantinopla, chamado Eutiques, que reclamava do ressurgimento da heresia nestoriana. São Leão respondeu discretamente que iria investigar o assunto. No ano seguinte, Eutiques escreveu outra carta ao Papa e enviou uma cópia dela aos patriarcas de Alexandria e Jerusalém. Nesta carta ele protestou contra a excomunhão que São Flaviano, patriarca de Constantinopla, lhe havia imposto a pedido de Eusébio de Dorileu e pediu para ser restaurado ao seu cargo. Junto com sua carta estava outra do imperador Teodósio II em sua defesa.
Como a notícia oficial da excomunhão não havia sido recebida em Roma, São Leão escreveu a São Flaviano, que lhe enviou extensas informações sobre o sínodo que havia excomungado Eutiques. Nele ele deixou claro que Eutiques havia caído no erro de negar a existência de duas naturezas em Cristo, o que constituía uma heresia oposta ao Nestorianismo. Naquela época, o imperador Teodósio convocou um concílio em Éfeso, sob o pretexto de estudar a fundo o assunto, mas o concílio estava repleto de amigos de Eutiques e era presidido por um de seus principais apoiadores, Dióscoro, patriarca de Alexandria. O concílio absolveu Eutiques e condenou São Flaviano, falecido pouco depois, em consequência dos golpes que recebeu. Como os legados do Papa se recusaram a aceitar a sentença do concílio, foram proibidos de ler a carta de São Leão perante a assembleia.
Assim que São Leão tomou conhecimento do assunto, anulou as decisões da assembleia e escreveu ao imperador com estes conselhos: “Que os bispos defendam livremente a fé, pois nenhum poder humano ou qualquer ameaça é capaz de destruir a Igreja e mantenha-a em paz para que Cristo proteja, por sua vez, o seu Império.”
Dois anos depois, no reinado do imperador Marciano, um Concílio Ecumênico reuniu-se na Calcedônia. Seiscentos bispos, entre os quais os legados de São Leão, vieram até ele. O Concílio reivindicou a memória de São Flaviano e excomungou e depôs Dióscoro. Em 13 de junho de 449, São Leão havia escrito uma carta doutrinária a São Flaviano, na qual expunha claramente a fé da Igreja nas duas naturezas de Cristo e refutava os erros dos Eutíquios e Nestorianos. Dióscoro ignorou aquela famosa carta, conhecida pelo nome de “Carta Dogmática” ou “Tomo de São Leão”; nessa ocasião foi lido no Conselho. “Pedro falou pela boca de Leão!”, exclamaram os bispos, depois de ouvirem esta lúcida exposição sobre a dupla nulidade de Cristo, que desde então se tornou a doutrina oficial da Igreja.
Entretanto, vários acontecimentos importantes aconteceram no Ocidente, nos quais São Leão demonstrou a mesma firmeza e prudência.
Átila invadiu a Itália à frente dos hunos, no ano 452; ele queimou a cidade de Aquileia, espalhou o terror e a morte em seu rastro, saqueou Milão e Pavia e rumou para a capital. Dada a ineficácia do General Aécio, o povo entrou em pânico; todos os olhares se voltaram para São Leão, e o Imperador Valente III e o Senado o autorizaram a negociar com o inimigo. Possuidor do seu caráter sagrado e sem hesitar um só momento, o Papa deixou Roma, acompanhado pelo cônsul Avieno, por Trigécio, governador da cidade, e por alguns sacerdotes. Ele entrou em contato com o inimigo na atual cidade de Peschiera. São Leão e seu clero reuniram-se com Átila e persuadiram-no a aceitar um tributo anual, em vez de saquear a cidade. Isto salvou Roma da catástrofe por algum tempo.
Mas três anos depois, Genserico apareceu à frente dos vândalos diante dos portões da cidade, totalmente indefeso. Nesta ocasião, São Leão teve menos sucesso, mas conseguiu que os vândalos se contentassem em saquear a cidade, sem matar ou queimar. Quinze dias depois, os bárbaros recuaram para a África com numerosos cativos e imensos saques.
São Leão empreendeu imediatamente a reconstrução da cidade e a reparação dos danos causados pelos bárbaros. Enviou muitos sacerdotes para ajudar e resgatar prisioneiros em África e restaurou, na medida do possível, os vasos sagrados das igrejas. Graças à sua confiança ilimitada em Deus, nunca desanimou e manteve grande serenidade, mesmo nos momentos mais difíceis. Nos vinte e um anos do seu pontificado conquistou o carinho e a veneração dos ricos e dos pobres, dos imperadores e dos bárbaros, dos clérigos e dos leigos.
Ele morreu em 10 de novembro de 461. Suas relíquias estão preservadas na Basílica de São Pedro. A sua festa, que hoje se celebra, comemora a data da transferência das suas relíquias. O historiador Jalland, anglicano, resume o caráter de São Leão em quatro traços: “sua energia indomável, sua magnanimidade, sua firmeza e sua humilde devoção ao dever”. A exposição de São Leão da doutrina cristã da Encarnação foi um dos “momentos” mais importantes da história do Cristianismo.
“A maior de suas conquistas pessoais foi o sucesso com que reivindicou a primazia da Sé Romana nas questões doutrinárias”. São Leão foi declarado doutor da Igreja muito mais tarde, em 1754.
Entre os sermões sobreviventes do santo, há um que ele pregou na festa dos santos Pedro e São Paulo, logo após a retirada de Átila. Começa por comparar o fervor dos romanos no momento em que foram salvos da catástrofe com a sua atual mornidão e recorda-lhes a ingratidão dos nove leprosos que Cristo curou. Então ele lhes disse: “Portanto, meus amados irmãos, deveis voltar para o Senhor, se não quereis que Ele os repreenda com as mesmas censuras que aos nove leprosos ingratos. Cuidado ao atribuir sua libertação às estrelas, como fazem algumas pessoas ímpias; atribuas isso unicamente à infinita misericórdia de Deus, que abrandou o coração dos bárbaros. Só podeis obter perdão pela sua negligência fazendo uma penitência que supere a culpa. Aproveitemos o tempo de paz que o Senhor nos concede para corrigir a nossa vida. Que São Pedro e todos os santos, que nos ajudaram nas nossas inúmeras aflições, secundem as fervorosas súplicas que por vós elevamos à misericórdia de Deus por nosso Senhor Jesus Cristo.”
(BUTLER Alban de, Vida de los Santos: vol. II, ano 1965, pp. 67-70)

