Oratório São José

SÃO JOÃO DAMASCENO, Confessor e Doutor da Igreja – 3ª classe (27/03)

Santo do dia

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São João Damasceno, o primeiro na longa linhagem de aristotélicos cristãos, foi também um dos dois maiores poetas da Igreja Oriental, junto com São Romano, o Melódico. São João passou toda a sua vida sob o governo de um califa maometano e este fato mostra o estranho caso de um Padre da Igreja Cristã, protegido da vingança de um imperador, cujas heresias ele poderia atacar impunemente, já que vivia sob o governo muçulmano. Ele e Teodoro, o Estudita, foram os principais e mais fortes defensores do culto às imagens sagradas na era amarga da controvérsia iconoclasta.

Como escritor teológico e filosófico, nunca procurou ser original, pois a sua obra se reduzia antes a compilar e ordenar o que os seus antecessores tinham escrito. Mesmo assim, em questões teológicas ele é considerado o último tribunal de apelação entre os gregos, e seu tratado “Sobre a Fé Ortodoxa” ainda é para as escolas orientais o que se tornou a “Summa” de São Tomás de Aquino para o Ocidente.

Os governadores muçulmanos de Damasco, onde nasceu São João, não foram injustos com os seus súbditos cristãos, embora lhes exigissem o pagamento de um imposto pessoal e a submissão a outras condições humilhantes. Permitiram que tanto cristãos como judeus ocupassem posições importantes e, em certos casos, acumulassem grandes fortunas. O médico pessoal do califa era quase sempre judeu, enquanto os cristãos eram empregados como escribas, administradores e arquitetos. Entre os funcionários de sua corte, em 675, havia um cristão, chamado João, que ocupava o cargo de Chefe do Departamento de Arrecadação de Impostos, cargo que parece ter se tornado hereditário em sua família.

Esse era o pai do nosso santo e o apelido de “al-Mansur”, que os árabes lhe deram, foi posteriormente transferido para o filho. João Damasceno nasceu por volta do ano 690 e foi batizado ainda criança. Quanto à sua educação inicial, se acreditarmos no seu biógrafo, “o seu pai encarregou-se de lhe ensinar não a andar a cavalo, nem a lançar uma lança, nem a caçar animais selvagens e a transformar a sua bondade natural em brutal crueldade, como acontece com muitos, mas João (o pai) procurou um tutor instruído em todas as ciências, hábil em todas as formas de conhecimento, que produzisse boas palavras de seu coração, e deu-lhe seu filho para ser nutrido com esse tipo de alimento.”

Mais tarde conseguiu fornecer-lhe outro mestre, um monge chamado Cosme “de bela aparência, mas de alma ainda mais bela”, que os árabes trouxeram da Sicília entre outros cativos. Seu pai teve que pagar um alto preço por ele e foi bem merecido, pois, se acreditarmos no nosso cronista, ele conhecia gramática e lógica, tanto aritimética quanto Pitágoras e tanto geometria quanto Euclides. Ensinou ao jovem João todas as ciências, mas especialmente teologia, bem como outro jovem que seu pai parece ter adotado, também chamado Cosme, que se tornou poeta e trovador e que finalmente acompanhou seu irmão adotivo ao mosteiro, onde ambos se tornaram monges.

Apesar de sua formação teológica, ele não parece ter cogitado, a princípio, outra carreira senão a de seu pai, a quem sucedeu em seu ofício. Na corte, pode levar livremente uma vida cristã e ali se notabilizou por suas virtudes e principalmente por sua humildade. Porém, depois de exercer por alguns anos seu importante cargo, São João renunciou ao cargo e foi como monge para a “laura” de São Sabas, perto de Jerusalém.

Ainda é controverso se suas primeiras obras contra os iconoclastas foram escritas enquanto ele estava em Damasco, mas as melhores autoridades desde a época do dominicano Le Quien, que publicou suas obras em 1712, são de opinião que o santo se tornou um monge antes que a perseguição eclodisse, e que seus três tratados foram compostos na “laura” de São Sabas. De qualquer forma, João e Cosme se estabeleceram entre os irmãos e ocuparam o tempo livre escrevendo livros e compondo hinos.

Pode ter-se pensado que os outros monges ficaram satisfeitos com a presença de um bravo defensor da fé como João, mas isso estava longe de ser verdade. Dizia-se que os recém-chegados estavam introduzindo a discórdia. Escrever livros já era ruim, mas compor e cantar hinos era pior ainda, por isso os irmãos ficaram escandalizados.

A gota d’água veio quando, a pedido de um monge cujo irmão havia morrido, João escreveu um hino fúnebre e cantou-o com uma doce melodia composta por ele mesmo. Seu superior, um velho monge cuja cela ele dividia, atacou-o cheio de fúria e expulsou-o: “Esquecestes teus votos assim?” exclamou o velho. “Em vez de ficar de luto e chorar, sentas com alegria e deleite cantando.” Só lhe permitiu regressar ao fim de vários dias, com a condição de percorrer os arredores da “laura” e recolher todo o lixo com as próprias mãos. São João obedeceu sem responder; mas durante o seu sono, Nossa Senhora apareceu ao velho monge e ordenou-lhe que permitisse ao seu discípulo escrever quantos livros e poemas quisesse.

A partir de então, São João pôde dedicar seu tempo aos estudos e à obra literária. A legenda acrescenta que foi enviado diversas vezes, talvez para o bem da sua alma, para vender cestos nas ruas de Damasco, onde outrora ocupara tão elevada posição. Deve-se, no entanto, confessar que estes detalhes, escritos pelo seu biógrafo mais de um século após a morte do santo, são de autoridade duvidosa.

Se os monges de São Sabas não apreciavam devidamente os dois amigos, havia outros que o faziam. O patriarca de Jerusalém, João V, conhecia-os muito bem de reputação e desejava tê-los entre o seu clero. Primeiro ele tomou Cosme e o fez bispo de Majuma e depois ordenou João sacerdote e o levou para Jerusalém. Diz-se que São Cosme governou admiravelmente o seu rebanho até à sua morte; mas São João logo retornou ao seu mosteiro.

Ele revisou cuidadosamente seus escritos e “onde quer que fossem adornados com flores retóricas ou parecessem supérfluos em seu estilo, ele prudentemente os reduzia a uma gravidade mais austera, para que não tivessem nenhum indício de leviandade ou falta de dignidade”. Suas obras em defesa dos ícones foram conhecidas e lidas em todos os lugares e lhe renderam o ódio dos imperadores que os perseguiam. Seus inimigos nunca conseguiram prejudicá-lo, pois ele nunca cruzou as fronteiras para entrar no Império Romano. O resto de sua vida foi passado escrevendo teologia e poesia em São Sabas, onde morreu em idade avançada. Foi proclamado Doutor da Igreja em 1890.

A passagem evangélica que se refere à cura milagrosa do homem com a mão atrofiada, anotada no Missal Romano para a Missa de São João Damasceno, refere-se a uma história outrora acreditada e agora considerada apócrifa. Quando o santo ainda era funcionário do tesouro em Damasco, o imperador Leão III, que o odiava, mas nada podia fazer contra ele abertamente, tentou prejudicá-lo por meio de engano. Falsificou uma carta e fingiu que havia sido escrita por João, informando-o de que Damasco estava mal defendida e oferecendo sua ajuda caso decidisse atacar. Leão enviou esta carta forjada ao califa, com uma nota nesse sentido, dizendo-lhe que odiava a traição e desejando que o seu amigo conhecesse o comportamento do seu oficial.

O furioso califa mandou cortar a mão direita de João, mas deu-lhe o membro mutilado a seu pedido. O santo levou a mão decepada para sua cabine particular e rezou em versos diante de uma imagem da Mãe de Deus. Por intercessão de Nossa Senhora, a mão voltou a unir-se ao braço e serviu imediatamente para escrever um agradecimento.

(BUTLER Alban de, Vida de los Santos: vol. I, ano 1965, pp. 659-661)

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