SÃO CIRILO DE JERUSALÉM, Bispo, Confessor e Doutor (18/03)

Foi uma bênção que São Cirilo de Jerusalém, um homem de disposição gentil e conciliadora, tenha vivido numa época de feroz controvérsia religiosa. O duque de Broglie o considera o representante “da extrema direita do semi-arianismo, que beirava a ortodoxia, ou da extrema esquerda da ortodoxia, que se aproximava do semi-arianismo, mas não há nada de herético em seus ensinamentos”.
Newman descreve-o mais precisamente, quando diz: “parecia que ele tinha medo da palavra ‘Homousios’ (consubstancial); de antagonizar os amigos de Atanásio e dos Arianos; de ter permitido a tirania destes últimos; de ter participado em reconciliação geral, e de ter recebido da Igreja honras que, tanto em sua vida como depois de sua morte, apesar de todas as objeções que possam ser levantadas, se sua história for examinada cuidadosamente, não foram imerecidas” (Prefácio à tradução de o Catecismo de Cirilo p. I I).
Se não nasceu em Jerusalém (315), foi levado para lá e recebeu uma excelente educação de seus pais, que provavelmente eram cristãos. Adquiriu um vasto conhecimento das Sagradas Escrituras, que citava frequentemente nas suas instruções, entrelaçando algumas passagens bíblicas com outras. Parece que foi ordenado sacerdote pelo bispo de Jerusalém, São Máximo, que apreciou tanto os seus dons que lhe confiou a difícil tarefa de instruir os catecúmenos. Ocupou a cátedra de catequese durante vários anos; na Basílica da Santa Cruz de Constança, comumente chamada de Martyrion, para os illuminandi, ou candidatos ao batismo, e na Anástasis ou igreja da Ressurreição, para aqueles que foram batizados na semana da Páscoa.
Estas conferências foram proferidas sem livro e os dezenove discursos catequéticos que chegaram até nós são talvez os únicos que foram escritos. São de grande valor, pois contêm uma exposição dos ensinamentos e ritos da Igreja de meados do século IV e formam “o sistema teológico primitivo”. Neles encontramos também interessantes alusões à descoberta da cruz, à descrição da rocha que fechava o Santo Sepulcro e ao cansaço dos ouvintes que praticaram longos jejuns.
Não sabemos em que circunstâncias Cirilo sucedeu Máximo na sé de Jerusalém. Temos duas versões de seus adversários, mas elas não combinam entre si. São Jerônimo, que nos deixou uma delas, parece ter preconceito contra ele. Sabemos com certeza que São Cirilo foi legalmente consagrado pelos bispos de sua província e se Ário Acácio, que era um deles, esperava poder lidar com ele facilmente, estava completamente errado. No primeiro ano de seu episcopado ocorreu um fenômeno físico que causou grande impressão na cidade.
Ele enviou a notícia desse fenômeno ao imperador Constantino em uma carta que ainda está preservada. A sua autenticidade tem sido questionada, mas o estilo é sem dúvida dele e embora interpolado, resistiu às críticas adversas. A carta diz:
“Nos primeiros dias de maio, perto da hora terceira, uma grande cruz iluminada apareceu nos céus, acima do Gólgota, chegando ao sagrado monte das Oliveiras: foi vista não por uma ou duas pessoas, mas evidente e claramente por toda a cidade. Isto não foi, como se poderia acreditar, uma fantasia ou aparição momentânea, pois permaneceu durante várias horas visível aos nossos olhos e mais brilhante que o sol. A cidade inteira estava cheia de medo e alegria ao mesmo tempo, enfrentando tal presságio e imediatamente correu para a igreja louvando a Cristo Jesus, o único Filho de Deus.”
Não muito depois da posse de Cirilo, começaram a surgir discussões entre ele e Acácio, principalmente sobre a proveniência e jurisdição das respectivas sedes, mas também sobre questões de fé, uma vez que Acácio já estava então imbuído da heresia ariana. Cirilo manteve a prioridade de sua sé, como se possuísse um “trono apostólico”; enquanto Acácio, como metropolita de Cesaréia, exigia jurisdição sobre ela, lembrando um cânone do Concílio de Nicéia que diz: “Visto que por costume ou tradição antiga, o bispo de Élia (Jerusalém) deve receber honras, deixemos o metropolita (de Cesaréia) em sua própria dignidade para manter o segundo lugar.”
A divergência chegou a uma disputa aberta e finalmente Acácio convocou um Concílio de bispos que o apoiavam, para o qual Cirilo foi convocado, mas recusou-se a comparecer. Foi acusado de contumácia e de ter vendido propriedades da Igreja, durante a fome, para ajudar os necessitados. Ele fez o último, assim como Santo Ambrósio e Santo Agostinho e muitos outros grandes prelados que foram amplamente compreendidos. De qualquer forma, o concílio fraudulento condenou-o e ele foi banido de Jerusalém.
Partiu para Tarso, onde foi recebido hospitaleiramente por Silvano, bispo semi-ariano, e onde permaneceu enquanto aguardava o recurso que havia interposto para um tribunal superior. Dois anos depois de seu depoimento, seu apelo chegou ao Concílio de Selêucia, que era composto por semi-arianos, arianos e pouquíssimos membros do partido ortodoxo, todos eles do Egito, Cirilo tomou assento entre os semi-arianos que o tinham ajudado durante seu exílio. Acácio opôs-se violentamente à sua presença e abandonou a reunião, embora logo tenha regressado para participar nos debates subsequentes. Seu partido tinha minoria, então ele foi deposto, enquanto Cirilo foi inocentado.
Acácio foi a Constantinopla e convenceu o imperador Constantino a convocar outro concílio. Acrescentou novas acusações às antigas e o que realmente irritou o imperador foi saber que as vestes que ele havia dado a Macário para administrar o batismo foram vendidas e depois vistas numa representação teatral. Acácio triunfou e obteve um segundo decreto de exílio contra Cirilo, um ano depois de ter sido restaurado à sua sé.
Com a morte de Constantino em 361, seu sucessor Juliano convocou todos os bispos que Constantino havia banido, e Cirilo, junto com os outros, retornou à sua sé. Em comparação com outros reinados, houve poucos martírios durante a administração de Juliano, o Apóstata, que percebeu que o sangue dos mártires era a semente da igreja, e procurou por outros meios mais refinados desacreditar a religião que ele próprio havia abandonado.
Um dos planos que traçou foi a reconstrução do templo de Jerusalém, a fim de mostrar a falsidade da profecia da sua ruína permanente. Os historiadores da Igreja Sócrates e Teodoreto, bem como outros, falam longamente sobre esta tentativa de Juliano de reconstruir o templo e apelar aos sentimentos nacionais dos judeus.
Gibbon e outros agnósticos modernos zombam dos acontecimentos sobrenaturais, terremotos, esferas de fogo, desabamentos de paredes, etc… que o fizeram abandonar o projeto, mas mesmo Gibbon é forçado a admitir que estes prodígios são confirmados não apenas por escritores cristãos, como São João Crisóstomo e Santo Ambrósio, mas também “por mais estranho que pareça, pelo testemunho incontestável de Amiano Marcelino, o soldado-filósofo”, que era pagão. São Cirilo contemplou com calma os grandes preparativos para a reconstrução do templo, profetizando que seria um fracasso.
Em 367, São Cirilo foi banido pela terceira vez. Valente decretou a expulsão de todos os prelados chamados por Juliano, mas quando Teodoro subiu ao trono, foi reintegrado em sua sé, onde permaneceu durante os últimos anos de sua vida. Ele ficou muito angustiado ao encontrar Jerusalém dilacerada por cismas e conflitos, infestada de heresia e manchada por crimes hediondos. Ele recorreu ao Concílio de Antioquia, e foi-lhe enviado São Gregório de Nissa, que não se considerou capaz de remediar e logo abandonou Jerusalém, deixando para a posteridade suas “Advertências contra Peregrinações”, uma descrição colorida e vívida da moralidade da cidade santa naquela época.
Em 381, Cirilo e São Gregório estiveram presentes no grande Concílio de Constantinopla (segundo Concílio Ecumênico). Nesta ocasião, o bispo de Jerusalém assumiu o seu lugar como metropolita junto aos patriarcas de Alexandria e Antioquia. Este Concílio promulgou o Símbolo Niceno, na sua forma corrigida. Cirilo, que o subscreveu junto com os demais, aceitou o termo “Homousios”, que passou a ser considerado a palavra-chave da Ortodoxia. Sócrates e Sozomen interpretam esta atitude como um ato de arrependimento.
Por outro lado, na carta escrita pelos bispos ao Papa São Dâmaso, Cirilo é exaltado como um dos defensores da verdade ortodoxa contra os arianos. A Igreja Católica, ao nomeá-lo entre os seus doutores (1882), confirma a teoria de que ele sempre foi um daqueles que Atanásio chama de: “irmãos que querem dizer a mesma coisa que nós, mas que diferem na maneira de dizê-la.”
Acredita-se que tenha morrido em 386, aos setenta anos, tendo sido bispo durante trinta e cinco, dos quais passou dezasseis no exílio. Os únicos escritos de São Cirilo que sobreviveram até nós são as palestras catequéticas, um sermão da piscina de Betseda, a carta ao imperador Constantino e outros pequenos fragmentos.
(BUTLER Alban de, Vida de los Santos: vol. I, ano 1965, pp. 592-594)

