Santo Huberto (03/11)
Santo Huberto, Bispo e Confessor
PATRONO DOS CAÇADORES (655-727)
A dominação romana havia desaparecido da Gália, deixando livre passagem aos bárbaros que ali tentavam estabelecer seus acampamentos e se organizar. No meio desta sociedade nascente, agitada, tempestuosa e sem lei, apareceu o Santo cuja história vamos resumir.
Se quisermos acreditar numa tradição antiga, Huberto deve ter sido um príncipe merovíngio, descendente em linha direta de Clóvis, o primeiro rei cristão dos francos. Teria nascido na Aquitânia, por volta dos anos de 655, e teria tido como pai o nobre duque Beltrán, bisneto de Clovis, e como mãe uma sobrinha da santa rainha Batilde, chamada Egberna, de natureza privilegiada e coração generoso e acessível aos sentimentos mais elevados.
Dela Huberto e seu irmão mais novo, Eudes, receberam uma educação sólida e profundamente cristã. Graças a esta cuidadosa preparação familiar, ambos os irmãos viveram os anos da infância e da primeira juventude num clima de inocência e piedade. Dessa forma, Huberto saiu preparado para cumprir entre os homens a missão de santidade para a qual o Senhor o destinou, e ao mesmo tempo treinou para vencer suas lutas contra o diabo.
JOVEM HUBERTO LUTA COM UM URSO
Ainda criança de doze anos, e encontrando-se numa daquelas caçadas a que os príncipes se dedicavam com tanta paixão, Huberto viu como um urso avançou furiosamente sobre o seu pai e o sufocava com as suas garras fortes e poderosas. Diante de tal espetáculo, o adolescente gritou:
– Meu Deus, dai-me forças para salvá-lo.
Rapidamente se lançou sobre o animal feroz e com um golpe certeiro de uma mão que o amor filial tornou viril, partiu-lhe o peito. Seu pai foi salvo. É o primeiro título de Huberto como padroeiro dos caçadores. Em reconhecimento deste favor, o duque Beltrán prometeu construir, em Tolosa, uma basílica em homenagem ao seu primeiro bispo São Saturnino, basílica reconstruída no século XI, que ainda existe com o nome de San Cernín.
NA CORTE DE THIERRY III E PEPINO DE HERISTAL
Aos dezessete anos, o jovem príncipe foi enviado por seus pais à corte de Thierry ou Teodoro III, rei da Neustria. Sua mãe deu-lhe uma medalha abençoada; e, chorando, o recomendou ao Senhor. Huberto encontrou na dissoluta corte de Soissons um príncipe carente de forças, embora às vezes parecesse ter alguma coragem e grandeza de alma. Ebroín, mordomo do palácio, através de intrigas e manobras pérfidas, tentava livrar-se o mais rápido possível deste jovem príncipe, que poderia ser um obstáculo à sua ambição excessiva. Huberto, a quem repugnavam essas ações, fugiu do perigo junto com São Leodegário, bispo de Autún. Os dois fugitivos separaram-se em Lutécia.
Enquanto o santo bispo voltava a ocupar seu lugar, Huberto chegou à corte da Austrásia, onde governava um neto de Santo Amoldo, Pepino de Heristal, um herói tão esclarecido quanto corajoso. O nosso jovem duque partilhou a vida da corte deste príncipe, que escolheu Jupille Mosa como sua residência preferida, e participou ativamente nas grandes caçadas que então se realizaram nas Ardenas. O carinho de todos por Huberto chegou a tal extremo que Pepino lhe deu a mão de uma bisneta de Santo Arnaldo, chamada Floribania, princesa da Austrúsia. Dela teve um filho, Floriberto, que lhe sucederia na cátedra episcopal de Liège e seria inscrito como Santo no Martirológio Galicano em 25 de abril (+746).
Os seis anos de uma união tão santa e feliz logo se completariam, quando a duquesa da Aquitânia foi forçada a ir para junto do leito da rainha Batilde, que estava à beira da morte. Huberto procurou uma forma de combater o seu isolamento e juntou-se aos nobres da Austrásia; infelizmente, logo o arrastaram para as infames orgias que geralmente se seguiam às caçadas organizadas nas imensas selvas das Ardenas. Huberto esqueceu as suas promessas de vida cristã; mas Deus teve o cuidado de lembrá-los.
No dia de Natal de 695, Huberto desprezou o grande mistério desta festa e dedicou-se inteiramente ao seu prazer favorito: a caça. De repente, um cervo de beleza incomparável, que ele perseguia há muito tempo, parou e o encarou. Uma cruz brilhante apareceu entre os chifres do animal e ao mesmo tempo uma voz foi ouvida:
– Huberto! Huberto! Se você não se converter e não levar uma vida santa, logo será lançado no Inferno.
O valente caçador, apavorado, saltou do cavalo e, prostrado, exclamou como outro Saulo:
– Senhor, o que queres que eu faça?
– Vá até o bispo Lamberto e ele o instruirá.
A visão desapareceu. Huberto não caçava mais. Aquela circunstância da sua vida que lhe tirou o prazer da caça valeu-lhe o nome de padroeiro de quem a ela se dedica. Durante dois anos continuou a se beneficiar dos ensinamentos salutares de São Lamberto, bispo de Tongres em Brabante, que residia em Maestricht.
HUBERTO, O PENITENTE
Fiel aos conselhos do seu mestre espiritual, retirou-se mais tarde para o mosteiro de Staveloo para viver como penitente. Ele escreveu uma carta comovente à sua esposa para anunciar sua decisão e abdicou de seus direitos à coroa da Aquitânia em favor de seu irmão Eudes. Emseu retiro, Huberto dedicou-se à oração e ao estudo.
Após a morte de Floribania, sua esposa, ele se tornou eremita no mesmo lugar onde o misterioso cervo lhe tinha aparecido. O penitente já estava retirado há oito anos quando, movido pelo Espírito de Deus, empreendeu a viagem a Roma como piedoso peregrino. Enquanto Huberto se prostrava diante dos túmulos dos santos Apóstolos, seu mestre e pai espiritual, São Lamberto, perecia martirizado sob os golpes de uma infame adúltera.
Pepino de Heristal, casado com Plectruda, esquecera-se dos deveres da vida conjugal e entregara o seu coração a uma miserável concubina chamada Alpaida, de quem teve um filho, Carlos Martel, que deve ter realizado muitas façanhas. Assim como São João Batista fez outrora com Herodes, São Lamberto não cessou de desaprovar os culpados com a liberdade evangélica. Mas as advertências não surtiram efeito, e a culpada, temerosa do perigo de ser abandonada por Pepino, procurou uma forma de assassinar o homem de Deus. A primeira vez que tentou levar a cabo um plano tão diabólico, falhou nas suas tentativas. Nem por isso o bispo desistiu, mas mostrou mais firmeza. Numa grande festa e diante de todos os senhores, reiterou o anátema e saiu da sala inflamado de santa indignação. A família de Alpaida jurou matá-lo. Na verdade, ele mal havia entrado em sua villa em Leodium (atual Liège) quando caiu sob a adaga e aos pés do altar. O ataque sacrílego ocorreu em 17 de setembro de 708.
HUBERTO, CONSAGRADO BISPO

Segundo uma legenda, no preciso momento em que ocorreu esta morte, um Anjo apareceu ao Sumo Pontífice, Constantino I, que descansava um pouco após a oração das Matinas, e contou-lhe o crime que acabava de ser perpetrado. “No entanto”, acrescentou o Anjo, “um discípulo de Lamberto virá hoje prostrar-se ad límina Apostolorum. Seu nome é Huberto: deves escolhê-lo para suceder ao novo mártir na sé de Tongres.” Depois desta visão o Papa acordou e, como estava em dúvida, um Anjo colocou ao lado dele o báculo de São Lamberto.
Terminadas as suas orações e imolada a Santa Hóstia, Constantino I permaneceu expectante junto ao túmulo dos Santos Apóstolos. Naquele momento, Huberto, que pernoitara numa aldeia próxima da cidade, entrou pela primeira vez na igreja do Bem-aventurado São Pedro, fim das suas longas fadigas e fim das suas mais preciosas esperanças.
– Quem é você? – perguntou-lhe o Pontífice.
– Meu nome é Huberto, servo de Vossa Santidade, – respondeu o peregrino com profundo respeito.
Constantino lhe deu a conhecer a visão angélica em todos os seus detalhes. Ao saber da morte de seu venerável bispo, Huberto começou a chorar. Mas quando o Papa acrescentou que o discípulo deveria suceder ao mestre e ser bispo de Tongres, o peregrino recusou decididamente, declarando-se indigno de receber tal honra.
Mas Deus manifestou a sua vontade de maneira irrefutável ao vestir milagrosamente o escolhido com as vestes pontifícias de São Lamberto. Ele então se submeteu e recebeu a consagração episcopal do Pontífice. Constantino I sem demora enviou Huberto para recolher a maldita herança que São Lamberto lhe deixou. Era a hora do perigo, Alpaida, cujos afetos ainda estavam manchados de sangue inocente, não deveria decidir ceder tão facilmente a um bispo tão inflexível no cumprimento do dever como fora o seu antecessor. Huberto teve, porém, a sorte de comover o coração de Pepino e levá-lo à penitência.
Alpaida foi despedida, mas encontrou na pessoa do bispo um pai misericordioso que conseguiu reparar a sua vida criminosa através da penitência do claustro.
A influência do nosso Santo no espírito de Pepino foi muito notável a partir de então, e o grande administrador do palácio orgulhou-se de fazer disso uma demonstração palpável até à sua morte, ocorrida no ano de 714.
O TRIUNFO DE SÃO LAMBERTO
Milagres portentosos ocorreram no local onde Lamberto foi martirizado: muitos cegos recuperaram a visão. A piedade popular, inflamada por novos milagres, honrou com veneração muito especial o lugar onde Lambert derramou o seu sangue por Cristo.
O seu sucessor na cátedra episcopal também compareceu e, enquanto se celebrava a Missa, recebeu do Céu o aviso para transferir o corpo do santo mártir e a sede do seu bispado, de Maestricht para Liège.
Hubert ordenou a transferência das relíquias do Santo após ouvir o conselho de seus irmãos no episcopado, e essa transferência ocorreu na véspera de Natal do ano 710. Uma multidão de bispos, padres e monges veio de toda a região e países vizinhos para formar uma procissão de honra.
Ao amanhecer, Huberto foi ao túmulo onde descansava o santo mártir. Retirada a laje que o fechava, um suave perfume embalsamou a atmosfera e o corpo de São Lamberto apareceu aos olhos de todos intacto e como que adormecido. Com a ajuda de alguns prelados, Huberto levantou-o, envolveu-o em ricos tecidos e colocou as roupas com que o Santo havia sido sepultado num lindo caixão.
Dificilmente poderíamos expressar com que sinceras demonstrações de honra e veneração tais relíquias sagradas foram recebidas por todos. Muitos outros milagres foram realizados em seu rastro. A alegria dos habitantes de uma das cidades vizinhas de Liège foi imensa quando viram chegar os restos mortais do santo mártir, que foram colocados na igreja que Huberto tinha construído em homenagem ao seu santo antecessor e no mesmo lugar do seu martírio.
Em 720. Huberto mudou a sede de seu bispado para Liège, e Carlos Martel, que sucedeu Pepino de Heristal, deu-lhe a posse total desta cidade e de numerosas terras fronteiriças. Até ao início do século XIX, os bispos eram os seus governadores legítimos e naturais.

APÓSTOLO INFATIGÁVEL. MILAGRES
Huberto colocou a tocha da sua vida apostólica na igreja de Liège, da qual foi fundador. “A palavra de Huberto”, diz um biógrafo, “tinha uma doçura, graça e força irresistíveis”. O amor infinito de Deus pelos homens, e, reciprocamente, as alegrias celestiais do amor dos homens por Deus, a elevação sobrenatural do cristão e o respeito devido aos templos vivos de Jesus Cristo, foram as ideias que se repetiram em quase todos os seus sermões. O povo não se cansava de ouvi-lo, tanto mais que ele juntava o poder dos milagres ao poder da palavra.
Um dia, o santo pontífice retribuiu a hospitalidade que lhe foi concedida, apagando com o sinal da cruz o fogo que se alastrou na casa dos seus benfeitores caridosos.
Noutra circunstância, uma seca persistente devastava os campos. Huberto ajoelhou-se e orou fervorosamente. O céu logo ficou nublado e uma chuva benéfica fertilizou os campos.
Mas o seu poder brilhou de forma extraordinária por ocasião dos desastres causados por cães, lobos e ursos loucos, que nesta ocasião foram os instrumentos da justiça divina para punir os crimes dos habitantes daquele país, bem como os das províncias vizinhas, culpadas de terem perseguido tantos santos bispos e confiscado bens da Igreja.
Pelos anos de 717, Huberto pregava a palavra de Deus ao povo de Villers quando, de repente, um estrangeiro, num acesso de ira, precipitou-se para o meio da multidão. Assustados, os ouvintes fugiram, deixando o santo bispo sozinho. Afligido e desolado pela dispersão do rebanho, o homem de Deus ordenou com autoridade que a ira saísse daquele homem; e o doente, perfeitamente curado, foi, como um manso cordeiro, em busca dos fugitivos, para que continuassem a ouvir a palavra de Deus.
MORTE DO SANTO BISPO
Huberto recebeu aviso do Céu de que seu fim se aproximava e preparou-se santamente para o feliz trânsito. Apesar dos ataques de febre violenta, ainda tinha energia suficiente para ir consagrar a igreja de Heverlé, perto de Lovaina. Foi a última saída do pastor.
Ao retornar, foi forçado a parar em Tervueren, acometido por uma doença. Lá ele passou cinco dias sem dormir, queimado pela febre. Não parou mais de rezar, rezando com grande devoção os salmos do Ofício Divino, e entregou a sua bela alma nas mãos do Criador, enquanto pronunciava as primeiras palavras do Pai Nosso. Isto ocorreu em 30 de maio de 727; o Santo tinha setenta anos na época.
O funeral do pontífice foi triunfante. Foi transferido para a igreja de São Pedro em Liège, que mandou construir e onde foi sepultado.
Milagres se multiplicaram em seu túmulo. Um ramo verde, símbolo da vitória celeste, foi colocado sobre o caixão e, segundo se conta, estendeu-se repentinamente por dois palmos para cobrir todo o corpo do Santo, como se o Senhor quisesse mostrar com este prodígio que seu servo já gozava da vida eterna, à qual suas virtudes e obras apostólicas lhe renderam.
CULTO DE SANTO HUBERTO
Os fiéis logo adquiriram o costume de ir ao túmulo do servo de Deus para orar e, à medida que Huberto ouvia favoravelmente as orações daqueles devotos, seu culto rapidamente se espalhou por toda a região e arredores. As honras de canonização, tal como eram então praticadas e como ele próprio havia feito para seu antecessor São Lamberto, foram decretadas em 3 de novembro de 743.
Quando a laje que fechava o túmulo foi levantada, o corpo do pontífice apareceu intacto. Comovido com a história do prodígio, o rei Carlos Magno quis juntar-se aos bispos para erguer no altar os restos sagrados do apóstolo das Ardenas.
No entanto, apesar do culto que professava ao pontífice, a quem poderia saudar com o título de fundador, a cidade de Liège não deveria preservar este tesouro por muito tempo. A Divina Providência reservou a honra do seu túmulo à igreja de Andage, nas Ardenas, pertencente ao mosteiro de clérigos fundado por Pepino II e sua esposa no início do século IX.
Cedendo aos pedidos dos monges de Andage, o bispo de Liège, Walcald, reformador desta casa, transferiu solenemente para ela o corpo de Santo Huberto. O imperador Ludovico Pio quis assistir pessoalmente à trasladação. Uma grande reunião do povo e numerosos bispos da Gália e da Alemanha seguiram a procissão até Mosa.
A viagem de Liège ao mosteiro de Andage, que durou cinco ou seis dias, terminou com sucesso em 30 de setembro de 825. Assim que as cidades vizinhas de Condroz e das Ardenas souberam da chegada do corpo sagrado, partiram em procissão para prostrar-se diante das relíquias do glorioso pontífice.
As curas maravilhosas obtidas por intercessão do Santo atraíram uma multidão tão grande que a peregrinação ao seu túmulo logo foi considerada uma das mais famosas do mundo. Andage tornou-se uma cidade importante e recebeu o nome de Santo Huberto. Ele é invocado contra a raiva, a epilepsia e as doenças nervosas, bem como nas tristezas e aflições.
Ainda hoje são muitos os peregrinos que sobem o monte onde se encontra a magnífica igreja que alberga os seus restos sagrados. Um padre impõe ao doente a estola que São Huberto recebeu do céu no dia da sua consagração e que tem a forma de uma fita de um metro de comprimento e quatro centímetros e meio de largura. É um tecido de seda branco e dourado.
Desde a exumação, realizada no ano de 825, data em que a referida estola foi encontrada no caixão do Santo, de vez em quando costumam recortar pequenas peças que servem para tocar em objetos piedosos, como rosários, medalhas, chaves ou para operações cirúrgicas.
Sua festa é celebrada no dia 3 de novembro, aniversário da canonização.
Um dos meios mais aconselháveis para obter a proteção do glorioso apóstolo é inscrever-se na irmandade erigida na igreja da abadia há vários séculos. Em 24 de junho de 1510, o Papa Júlio II aprovou-o e enriqueceu-o com vários privilégios e indulgências. Leão X, Gregório XIII, Paulo V e Gregório XV aprovaram-no novamente, confirmaram e elogiaram as suas regras e estatutos.
Há o costume de abençoar os pãezinhos em homenagem a Santo Huberto. São consumidos com devoção, para serem preservados, por sua intercessão, da raiva e das doenças. Para o mesmo fim, é dado aos animais pão marcado com um instrumento denominado “chave de Santo Huberto”.
(EDELVIVES, El Santo de cada dia: volume 11-12, ano 1946, pp. 30-39)


