NATIVIDADE DE NOSSA SENHORA (08/09)

NATIVIDADE DE NOSSA SENHORA – 2ª classe
Dia de alegria – Com muita razão, a Igreja nos faz dizer hoje num momento de alegria: “Teu nascimento, ó Virgem Mãe de Deus, foi uma mensagem de alegria para o mundo inteiro, pois de ti nasceu o Sol da justiça, Cristo nosso Deus. Quem tirou a maldição e trouxe uma bênção, confundiu a morte e nos deu a vida eterna.”[1]
Se vemos que o nascimento de um filho enche de alegria o lar dos pais, mesmo que eles não tenham consciência do seu futuro; se a Igreja nos diz no dia 24 de junho que aquele dia é um dia de alegria porque o nascimento de São João Batista nos dá esperança no nascimento Daquele cujos caminhos ele vem preparar; que alegria não trará ao coração de todos aqueles que esperam a salvação e a vida, ao ver chegar a este mundo aquela que será a Mãe do Redentor?
Pelo Evangelho sabemos que o nascimento de João Batista foi uma alegria para os seus pais, para a pequena cidade de Ain-Karim e para as aldeias vizinhas. Nada sabemos sobre o nascimento de Maria, mas, se este nascimento passou despercebido para muitos, se Jerusalém exteriormente permaneceu indiferente, não ignoramos que este dia é e continuará a ser não só para uma cidade ou vila, mas para o mundo inteiro e ao longo de todos os séculos que se seguirão, um dia de alegria incomparável.
Alegria no céu – No céu há alegria na Santíssima Trindade: alegria no Pai eterno, que se felicita pelo nascimento da sua querida Filha, a quem vai tornar participante da sua paternidade; a alegria no Filho, que contempla a beleza sobrenatural daquela que será sua Mãe, de quem tomará a sua carne para resgatar o mundo; alegria no Espírito Santo, então, como cooperadora na obra da concepção e encarnação do Verbo, Maria devia ser o Santuário imaculado dessa terceira Pessoa.
Há alegria nos anjos: com admiração vêem que esta menina é a maravilha das maravilhas do Todo-Poderoso; nela, Deus demonstrou mais sabedoria, mais poder e mais amor do que em todas as outras criaturas: de Maria fez o espelho muito claro no qual se refletem todas as suas perfeições; eles entendem que Maria, por si só, dá ao seu Criador mais honra e glória do que todas as suas hierarquias juntas e agora a saúdam como sua Rainha, como a glória dos céus, ornamento do mundo celestial e do mundo terrestre.
Alegria no limbo do justo – São João Damasceno acredita que as almas detidas no limbo tiveram consciência deste nascimento feliz e que Adão e Eva, com uma alegria que não conheciam desde o pecado no paraíso terrestre, exclamaram: “Bendita seja a filha que Deus nos prometeu depois da nossa queda: de nós recebestes um corpo mortal; e nos devolveis o manto da imortalidade. Vós nos chamais para nossa morada primitiva; nós, fechamos as portas do paraíso; e vós agora deixais aberto o caminho da árvore da vida.”
Outros escritores antigos apontam-nos para os patriarcas e profetas que de longe anunciaram e louvaram a vinda de Maria, saudando nela o cumprimento finalmente realizado dos seus oráculos divinos.
Alegria na terra – Finalmente, também houve alegria na terra. Com os Santos podemos pensar sem ser temerários que Deus concedeu às almas “que então aguardavam a redenção de Israel” um contentamento extraordinário, uma alegria séria e religiosa que se insinuou nos seus corações e, sem saber explicar, deu-lhes como que uma convicção íntima de que a hora da salvação do mundo estava muito próxima.
Mas esta alegria foi sobretudo para os afortunados pais São Joaquim e Santa Ana. Como que extasiados, contemplaram esta pequena filha iluminada, que contra toda esperança Deus lhes concedeu no final dos seus dias. E talvez eles se perguntassem se ela não seria um daqueles anéis da linhagem, agraciada da qual o Rei deveria emergir para restabelecer o trono de Davi e salvar Israel.
A sua fervorosa ação de graças elevou-se a Deus, que se sentiam presente na sua humilde morada. “Ó casal mais feliz”, exclamou São João Damasceno, “toda a criação é vossa devedora; pois bem, por vossa causa, ela ofereceu a Deus o dom mais precioso entre todos os dons, a Mãe admirável, a única digna Dele. Bendito seja o vosso ventre, ó Ana, que carregou aquela que levará no seu o Verbo eterno, o qual não pode ser encerrado em nada e traria regeneração a todos os homens! Ó terra, primeiro infecunda e estéril, da qual nasceu a terra dotada de uma fertilidade maravilhosa: pois vai produzir o Pão da vida que alimentará todos os homens! Felizes são os vossos seios, porque amamentaram aquela que amamentaria o Verbo de Deus, a ama Daquele que sustenta o mundo…”[2]
Maria, causa da nossa alegria – Assim, então, o nascimento da Santíssima Virgem é motivo de alegria, e a alegria é o sentimento que absorve e penetra tudo nesta festa. A Igreja quer que mergulhemos nesta alegria transbordante e triunfante. E nos convida a ela durante todo o culto: “Celebremos o nascimento de Maria, ela nos faz cantar no Invitatório das Matinas, adoremos Cristo, seu Filho e nosso Senhor”; e um pouco mais tarde: “Celebremos com terna devoção o nascimento da Bem-aventurada Virgem Maria para que ela interceda por nós junto de Jesus Cristo. Com alegria e terna devoção celebremos o nascimento de Maria”.[3]
Se a Igreja nos convida à alegria, é porque a Virgem é a Mãe da graça divina e já, no pensamento divino, a Mãe do Verbo Encarnado. As palavras graça e alegria têm a mesma raiz em grego; graça e alegria sempre andam de mãos dadas; uma é medida pela outra; Maria, porque é cheia de graça, é também cheia de alegria por si e por nós. Nesta menina graciosa, embora recém-nascida, mostra-nos a Liturgia à Mãe de Jesus; Maria é inseparável do seu Filho e só nasceu para Ele, para ser sua Mãe e para ser também nossa Mãe, dando-nos a verdadeira vida, que é a vida da graça. E, por isso, todas as orações da Missa proclamam a maternidade da Virgem Maria, como se a Igreja não pudesse separar o seu nascimento do nascimento de Emmanuel.
O local de nascimento de Maria – Mas onde nasceu a Santíssima Virgem? Uma tradição antiga e ininterrupta aponta para Jerusalém, perto da piscina Probática, lugar onde hoje se encontra a Igreja de Santa Ana. Precisamente ali, diz-nos São João Damasceno, “no redil paterno nasceu aquela de quem o quis nascer o Cordeiro de Deus.”
São Joaquim e Santa Ana também foram posteriormente sepultados ali; em 18 de março de 1889, os Padres Brancos descobriram seus túmulos próximos à Gruta da Natividade. No século IX, uma igreja foi construída ali; as religiosas beneditinas estabeleceram-se lá depois que os cruzados chegaram à Palestina e continuaram até o século XV. Por volta dessa época, uma escola muçulmana substituiu o mosteiro, mas após a Guerra da Crimeia, o sultão Abdul-Madjid entregou a igreja e o tanque de estágio à França, que havia entrado vitoriosa em Sebastopol em 8 de setembro de 1855.
Origem da festa – A festa da Natividade teve sua origem no Oriente. A Vida do Papa Sérgio (687-701) já a conta entre as quatro festas da Santíssima Virgem então existentes; e, por outro lado, sabemos que o imperador Maurício (582-602) prescreveu a sua celebração juntamente com a Anunciação, a Purificação e a Assunção. Na Alemanha, São Bonifácio introduziu esta festa. Uma bela legenda atribuiu a instituição desta festa ao santo bispo de Angers, Maurílio: e, de fato, talvez tenha introduzido uma festa na sua diocese para cumprir o desejo da Virgem, que por volta do ano 430 lhe apareceu nos prados de Marillais.
Chartres, por sua vez, reivindica para o seu bispo Fulberto (falecido em 1028) um papel importante na difusão desta festa em toda a França. O rei Roberto, o Piedoso (ou seus conselheiros) quis musicar os três belos Responsórios Solem justitiae, Stirps Jesse, Ad Nutum Domini, nos quais Fulberto celebra o aparecimento da misteriosa estrela da qual o sol deve nascer; o ramo que brota do tronco de Jessé para produzir a flor divina na qual repousará o Espírito Santo; a onipotência, em suma, que faz com que Maria nasça da Judéia, como a rosa do espinheiro.
Na terceira sessão do primeiro concílio de Lyon, em 1245, Inocêncio IV estabeleceu para toda a Igreja a Oitava da Natividade da Santíssima Virgem; cumpriu-se assim o voto que ele e os demais cardeais fizeram durante a vacância de dezenove meses, que, como resultado das intrigas do imperador Frederico II, provocou a morte de Celestino IV na Igreja, e que foi encerrado com a eleição de Sinibaldo Fieschi, mais tarde Inocêncio.
Em 1377, Gregório XI, o grande Papa que acabava de quebrar as cadeias do cativeiro de Avinhão, quis completar as honras prestadas a Maria no mistério do seu nascimento acrescentando uma vigília à solenidade; mas, seja porque apenas expressou um desejo sobre este assunto, seja por qualquer outro motivo, a verdade é que as intenções do Papa foram ignoradas por um curto período naqueles turbulentos anos que se seguiram à sua morte.
Paz – Como fruto desta alegre celebração, imploremos, juntamente com a Igreja[4], a paz, que parece fugir cada vez mais destes tempos infelizes. Precisamente Nossa Senhora veio ao mundo no segundo dos três famosos períodos de paz universal no tempo de Augusto; na última delas ocorreu o advento do próprio Príncipe da Paz.
Quando o templo de Janus foi fechado, o óleo misterioso jorrou do solo sobre o qual seria construído o primeiro santuário da Mãe de Deus na Cidade Eterna; os presságios se multiplicaram; o mundo vivia em expectativa; cantava o poeta: “Eis que chega finalmente a última era anunciada pela Sibila, eis que começa a abrir-se a grande série de novos séculos, eis a Virgem!”[5]
Na Judéia, o cetro foi tirado de Judá; mas o mesmo que se tornou senhor do poder, Herodes, o idumeu, continua rapidamente a esplêndida restauração que permitirá ao segundo Templo receber a Arca Sagrada do Novo Testamento dentro das suas paredes de maneira digna.
É o mês sabático, o primeiro do ano civil e o sétimo do ciclo sagrado: o Tisri, no qual começa o resto de cada sete anos e se anuncia o Ano Santo do Jubileu; o mês mais alegre, com sua solene Neomenia que ficou famosa pelas trombetas e cantos, sua festa dos Tabernáculos e a comemoração da conclusão do primeiro Templo no tempo de Salomão.
Por fim, no céu, o astro do dia acaba de deixar o signo do Leão (Leo) para ingressar no da Virgem (Virgo). Na terra, dois obscuros descendentes de David, Joaquim e Ana, agradecem a Deus por terem abençoado a sua união há muito infecunda.
(GUERANGER, Dom Prospero. El Año Litúrgico: tomo V, ano 1954, pp. 339-347)
[1] Antífona do Magníficat das II Vésperas do dia 08/09.
[2] Sobre a Natividade, P. G., 96, c. 664-668.
[3] Responsório de Matinas.
[4] Coleta do dia.
[5] Virgílio, Egloga IV.

