Oratório São José

Mística do Tempo da Paixão

Ano Litúrgico - Dom Próspero Gueranger

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Mística do Tempo da Paixão

Ano Litúrgico – Dom Próspero Gueranger

 

MISTÉRIOS E RITOS – A Liturgia está repleta de mistérios nestes dias em que a Igreja celebra os aniversários de eventos tão maravilhosos; mas a maior parte é encontrada nos ritos e cerimônias de cada dia, dos quais trataremos conforme a ocasião surgir. Nosso objetivo especial nestas páginas é apenas dizer algumas palavras sobre os costumes da Igreja nas duas semanas que se seguem.

O JEJUM – Não temos nada a acrescentar ao que já foi explicado sobre o mistério da Santa Quaresma. O período de expiação continua seu curso normal até que o jejum dos penitentes tenha igualado a duração daquele praticado pelo Homem-Deus no deserto. Os fiéis de Cristo continuam a lutar, com armas espirituais, contra os inimigos da salvação; auxiliados pelos Anjos da luz, eles lutam corpo a corpo contra os espíritos das trevas, com as armas da compunção, do coração e da mortificação da carne. Como já dissemos, durante o período da Quaresma a Igreja está preocupada de maneira especial por uma tripla razão; a Paixão do Redentor cuja chegada pressentimos semana após semana; a preparação dos catecúmenos para o batismo que lhes será conferido na noite de Páscoa; a reconciliação dos penitentes públicos que a Igreja voltará a receber na Quinta-feira Santa. Cada dia que passa reacende esta tripla preocupação da Igreja.

A PAIXÃO – A ressurreição de Lázaro em Betânia, às portas de Jerusalém, encheu a ira dos seus inimigos. O povo ficou chocado ao ver o homem que morreu há quatro dias reaparecer nas ruas da cidade; e ele se pergunta: será que o Messias fará maravilhas maiores? Não chegou a hora de cantar o Hosana ao Filho de Davi? Muito em breve será impossível suprimir o entusiasmo impetuoso dos filhos de Israel. Os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo não podem mais perder um momento se quiserem impedir as manifestações populares que vão proclamar Jesus, Rei dos Judeus. Hoje iremos assistir aos seus infames conselhos. Neles o Sangue do Justo será posto à venda e avaliado a um preço ridículo. A Vítima divina, entregue por um dos seus discípulos, será julgada, condenada, sacrificada; e as circunstâncias deste drama não se reduzirão a uma simples leitura; a Liturgia os representará pessoalmente, diante dos olhos do povo cristão.

OS CATECÚMENOS – Falta agora pouco tempo para os catecúmenos desejarem o batismo. Sua instrução é completada dia após dia; as figuras do Antigo Testamento passaram diante de sua vista; e em breve não terão mais nada para aprender sobre os mistérios da sua salvação. Então o Símbolo da fé lhes será dado a conhecer. Iniciados nas exaltações e humilhações do Redentor, esperarão com os fiéis o momento da sua ressurreição; e nós os acompanharemos com ansiedade e alegria naquela hora solene em que, depois de terem sido imersos no tanque da salvação e purificados de toda mancha pelas águas regeneradoras, eles emergem puros e radiantes para receber os dons do Espírito Santo e participar da carne sacrossanta do Cordeiro, que nunca mais morrerá.

OS PENITENTES – A reconciliação dos penitentes aproxima-se a passos largos. Eles ainda estão em sua obra expiatória, vestidos de saco e cinzas. As leituras consoladoras que já ouvimos continuarão a ser lidas para refrescar cada vez mais suas almas. A proximidade da imolação do Cordeiro aumenta a sua esperança; eles sabem que o Sangue deste Cordeiro é de virtude infinita e que apaga todos os pecados. Antes da ressurreição do Libertador, recuperarão a inocência perdida; o perdão descerá sobre eles muito a tempo, para que possam sentar-se, como filhos pródigos já felizes, à mesa do Pai de família no dia em que se diz aos comensais: “Desejei ardentemente comer convosco esta Páscoa”.

DUELO DA IGREJA – Tais são, em suma, as cenas grandiosas que nos aguardam; mas, ao mesmo tempo, veremos a Santa Igreja afundar-se cada vez mais na tristeza do seu luto. Recentemente ela estava chorando pelos pecados de seus filhos; agora ela lamenta a morte de seu Esposo celestial. Há muito tempo que o Aleluia foi banido dos seus cantos; ela suprimirá até o louvor à Santíssima Trindade com que terminam os salmos. Se não honrar nenhum santo, cuja festa possa ser celebrada até o Sábado da Paixão inclusive, suprimi-la-á, primeiro em parte, e, logo depois, completamente, até aquelas mesmas palavras que repete com tanto prazer: “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo”.

A leitura nos ofícios noturnos é tirada de Jeremias. As vestes litúrgicas são da mesma cor da Quaresma; mas na Sexta-Feira Santa o preto substituirá o roxo como quem chora a morte, pois nesta o seu Esposo estará verdadeiramente morto. Os pecados dos homens e os rigores da justiça divina caíram sobre Ele, e entregaram a sua alma ao Pai no meio de uma agonia horrível.

RITOS LITÚRGICOS – Enquanto espera esta hora, a Igreja exprime os seus dolorosos pressentimentos, cobrindo a imagem do divino Crucificado. A própria Cruz deixou de ser visível aos olhos dos fiéis; está coberto por um véu[1]. As imagens dos santos não são visíveis; é certo que o servo se esconda quando a glória do Senhor está eclipsada.

Os intérpretes da Liturgia ensinam-nos que este costume austero de velar a cruz no Tempo da Paixão expressa a humilhação do Redentor, obrigado a esconder-se para não ser apedrejado pelos judeus, como leremos no Evangelho do I Domingo da Paixão. A Igreja ordena esta prescrição de velar as imagens, desde o sábado até à hora de Vésperas, com tal rigor que, nos anos em que a festa da Anunciação de Nossa Senhora cai na semana da Paixão, a imagem de Maria, Mãe de Deus, permanece velada mesmo no dia em que o Anjo a saúda, cheia de graça e bendita entre todas as mulheres.


[1] Este uso está relacionado com a ideia de penitência pública nos tempos antigos. Todos sabemos que os Penitentes públicos eram expulsos da Igreja, da Quarta-feira de Cinzas à Quinta-feira Santa. Quando a penitência pública foi removida, foi concebido estender uma cortina entre o altar e a nave em todas as igrejas, para fazer com que todos os fiéis entendessem que, sem penitência, não podem alcançar a visão de Deus. Quando a “cortina da Quaresma” foi removida, os crucifixos e as imagens foram cobertos e, mais tarde, apenas durante a tempo da Paixão.

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