Oratório São José

IRA E VINGANÇA

Dom Fernando Rifan

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IRA E VINGANÇA

Hoje celebramos a memória de São João Paulo II. Uma das imagens mais emblemáticas do seu pontificado foi sua visita e perdão na prisão ao seu potencial assassino Mehmet Ali Agca, que o tinha alvejado na praça de São Pedro, no dia 13 de maio de 1981. Ele, assassino profissional, perguntou ao Papa por que ele não morreu. A bala passou a milímetros de uma artéria vital. Era o dia de Nossa Senhora de Fátima e o Papa disse que uma mão misteriosa teria afastado o percurso mortal daquela bala. Por isso ele mandou colocar essa bala na coroa de Nossa Senhora, em Fátima, à qual ele foi agradecer sua libertação. Essa imagem do perdão do Papa mostra o que o cristianismo ensina, no seguimento de Jesus.

A ira, raiva ou cólera, é um dos vícios capitais. É o desejo de vingança. É contrário à caridade. O ódio ao próximo é um pecado quando a pessoa deseja deliberadamente o seu mal. Pecado grave. Jesus ensinou: “Amai vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; desse modo vos tornareis filhos de vosso Pai que está nos céus” (Mt 5, 44-45).

E a ira e o desejo de vingança causa estragos indescritíveis. A Escritura, no relato do assassinato de Abel por seu irmão Caim, revela, desde o começo da história humana, a presença da cólera, consequência do pecado original.

Uma das imagens mais chocantes da minha infância foi a tragédia acontecida em Niterói do Gran Circus Norte Americano, incêndio no qual morreu um dos meus conhecidos de infância. Foi em 17 de dezembro de 1961. Eu tinha 11 anos de idade, e isso me chocou muito. Nessa tarde fatídica, aconteceu o pior desastre circense de toda a História, em todo o mundo, e o pior incêndio do Brasil, com 503 mortos, segundo algumas estatísticas, a maioria crianças, mais que o dobro das 189 vítimas do edifício Joelma, em 1974 e as 242 da boate Kiss, em 2023.

Três mil pessoas assistiam ao espetáculo. Mas o pior é que o trágico incêndio foi criminoso, fruto da vingança de um dos empregados que tinha sido demitido pelo administrador. Esse meliante, com alguns amigos, cometeu esse crime para se vingar do patrão. Vemos até onde pode chegar a ira e o desejo de vingança, a ponto de se cometer tal atrocidade.

O circo estava recebendo uma superlotação, com centenas de crianças, quando os assassinos foram a um posto de gasolina e compraram o produto para incendiar o circo. Jogaram na lona, coberta de material inflamável, e atearam fogo. Vê-se como o ódio e a vontade de vingança os cegou completamente. A cobertura do circo veio abaixo no momento em que os trapezistas se apresentavam. No pânico geral, muitas crianças foram pisoteadas e muitos animais também morreram queimados.

Tempos depois, eu visitei o local da tragédia e lá vi o “profeta” Gentileza, que, dizem, chorava mortos de sua família.

Que Deus livre o nosso coração de qualquer desejo de ira e vingança, que provoca estragos nos odiados, mas, sobretudo, no coração de quem odeia.

Dom Fernando Arêas Rifan, Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

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