Oratório São José

História do Tempo Pascal

Ano Litúrgico - Dom Próspero Gueranger

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CAPÍTULO I: História do Tempo Pascal

Ano Litúrgico – Dom Prospero Gueranger

Definição de Tempo de Páscoa – O termo Tempo Pascal se refere ao período de semanas que vai do Domingo de Páscoa até o sábado depois de Pentecostes. Esta parte do ano litúrgico é a mais sagrada, aquela para a qual converge todo o ciclo. Isto se compreenderá facilmente se considerarmos a grandeza da festa da Páscoa, que a antiguidade cristã embelezou com o nome de Festa das Festas, Solenidade das Solenidades, do mesmo modo que, como nos diz São Gregório Papa na sua Homilia neste grande dia, o mais augusto do Santuário era chamado Santo dos Santos, e o nome de Cântico dos Cânticos é dado ao sublime epitalâmio do Filho de Deus que está unido à Santa Igreja. Certamente, é no dia de Páscoa que a missão do Verbo encarnado alcança o fim que até então almejava; no dia da Páscoa, a raça humana é levantada de sua queda e toma posse de tudo o que havia perdido por causa do pecado de Adão.

Cristo, o vencedor – O Natal nos deu um Homem-Deus; há três dias recolhemos seu sangue de um preço infinito para nosso resgate. Mas no dia de Páscoa, não é mais uma vítima sacrificada, derrotada pela morte, que contemplamos; Ele é o vencedor que aniquila a morte, filha do pecado, e proclama a vida, a vida imortal que nos conquistou. Não é mais a humildade dos panos, nem as dores da agonia e da cruz; é a glória, primeiro para Ele, depois para nós. No dia de Páscoa, Deus recupera, no Homem-Deus ressuscitado, a sua primeira obra: a passagem pela morte não deixou nele nenhum vestígio, nem o pecado, cuja imagem o divino Cordeiro se dignou assumir; e não é somente ele que retorna à vida imortal; é toda a raça humana. “Assim como por um homem a morte entrou no mundo”, diz-nos o Apóstolo, “por um homem também deve vir a ressurreição dos mortos. E, assim como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos serão vivificados.”[1]

A preparação da Páscoa – Assim, o aniversário deste acontecimento constitui todos os anos o grande dia, o dia da alegria, o dia por excelência; todo o ano litúrgico converge para ela e nela se funda. Mas como este dia é santo acima de todos os outros, visto que nos abre as portas da vida celeste, onde entraremos ressuscitados como Cristo, a Igreja não quis que ele brilhasse sobre nós antes que purificássemos nossos corpos pelo jejum e corrigíssemos nossas almas pela compunção. Para isso, a Igreja instituiu a penitência quaresmal e também nos alertou, desde a Septuagésima, que havia chegado o tempo de aspirar às serenas alegrias da Páscoa e de nos prepararmos para os sentimentos que sua chegada deveria despertar. Agora completamos esta preparação e o Sol da Ressurreição nasce acima de nós.

Santidade do Domingo – Mas não basta celebrar o dia solene em que se viu Cristo-Luz fugir das sombras do túmulo; em mais um aniversário devemos prestar a homenagem da nossa gratidão. O Verbo encarnado ressuscitou no primeiro dia da semana, o dia em que o Verbo incriado do Pai havia começado a obra da criação, trazendo luz do meio do caos e separando-a das trevas, inaugurando assim o primeiro dos dias. Portanto, na Páscoa, o nosso divino ressuscitado santifica o domingo pela segunda vez e, a partir daí, o sábado deixa de ser o dia sagrado. A nossa ressurreição em Jesus Cristo, que ocorreu no domingo, completa a glória deste primeiro dos dias; o preceito divino do sábado é abolido com toda a lei mosaica; e os Apóstolos ordenarão doravante a todos os fiéis que celebrem como um dia sagrado o primeiro dia da semana, no qual a glória da primeira criação se une à da regeneração divina.

Data da festa da Páscoa – A ressurreição do Homem-Deus, que ocorreu em domingo, exigiu que não fosse celebrada anualmente em outro dia da semana. Daí a necessidade de separar a Páscoa dos cristãos da dos judeus, que, fixada irrevogavelmente no décimo quarto dia da lua de março, aniversário do Êxodo do Egito, caía sucessivamente em cada dia da semana. Esta Páscoa não passou de uma figura; a nossa é a realidade diante da qual a sombra desaparece. Era, portanto, necessário que a Igreja rompesse este último vínculo com a sinagoga e proclamasse a sua emancipação celebrando a mais solene das festas num dia que nunca coincidiria com o dia em que os judeus celebravam a sua Páscoa, doravante desprovida de esperança. Os Apóstolos determinaram que, a partir de então, a Páscoa para os cristãos não seria mais no dia quatorze da lua de março, mesmo que esse dia caísse em um domingo, mas que seria celebrada em todo o universo no domingo seguinte ao dia em que o calendário obsoleto da sinagoga continuasse a colocá-la.

Entretanto, considerando o grande número de judeus que haviam recebido o batismo e que então formavam o núcleo da Igreja Cristã, para não ofender suas sensibilidades, decidiu-se que a lei relativa ao dia da nova Páscoa deveria ser aplicada com prudência e gradualmente. Além disso, Jerusalém logo sucumbiria às águias romanas, de acordo com a profecia do Salvador; e a nova cidade que se ergueria sobre suas ruínas e que abrigaria a colônia cristã, teria também sua Igreja, mas uma Igreja completamente separada do elemento judaico, que a justiça divina visivelmente havia reprovado naqueles mesmos lugares. A maioria dos Apóstolos não teve de lutar contra os costumes judaicos em suas pregações em terras distantes, nem na fundação das Igrejas que estabeleceram em tantas regiões, mesmo fora dos limites do Império Romano; suas principais conquistas foram feitas entre os gentios. A Igreja de Roma, que se tornaria Mãe e Mestra de todas as outras, nunca conheceu outra Páscoa senão aquela que une o domingo à memória do primeiro dia do mundo e à memória da ressurreição gloriosa do Filho de Deus e de todos nós, que somos seus membros.

O costume da Ásia Menor – Apenas uma província da Igreja, a Ásia Menor, recusou-se por muito tempo a aderir a este acordo. São João, que passou muitos anos em Éfeso e ali terminou a sua vida, acreditava que não deveria exigir dos numerosos cristãos que tinham passado das sinagogas para a Igreja naquelas regiões a renúncia ao costume judaico na celebração da Páscoa; e os gentios que vieram para aumentar a população dessas florescentes comunidades cristãs tornaram-se excessivamente apaixonados na defesa de um costume que remontava às origens da Igreja da Ásia Menor. Como resultado, ao longo dos anos, essa anomalia degenerou em um escândalo; ali se inalavam eflúvios judaizantes e a unidade do culto cristão sofria uma divergência que impedia os fiéis de viverem unidos nas alegrias da Páscoa e nas santas dores que a precedem.

O Papa São Vítor, que governou a Igreja a partir de 185, colocou sua maior preocupação nesse abuso e acreditava que havia chegado o momento de fazer a unidade externa triunfar sobre um ponto tão essencial e central no culto cristão. Anteriormente, sob o Papa Santo Aniceto, por volta do ano 150, a Sé Apostólica tentou, por meio de negociações amigáveis, atrair as Igrejas da Ásia Menor para a prática universal; não era possível triunfar sobre um preconceito baseado numa tradição considerada inviolável naquelas regiões. São Vítor acreditava que teria mais sucesso que seus antecessores; e para influenciar os asiáticos pelo testemunho unânime de todas as Igrejas, ordenou que fossem realizados concílios nos vários países onde o Evangelho havia penetrado, e para examinar a questão da Páscoa neles. A unanimidade foi perfeita em todos os lugares; e o historiador Eusébio, escrevendo um século e meio depois, atesta que em seu tempo a memória das decisões tomadas neste levantamento ainda era preservada, além do Concílio de Roma, os da Gália, Acaia, Ponto, Palestina e Osroena, na Mesopotâmia. O Concílio de Éfeso, presidido por Polícrato, bispo daquela cidade, resistiu apenas às insinuações do Pontífice e ao exemplo da Igreja Universal.

São Vítor, julgando que essa oposição não podia mais ser tolerada, publicou uma sentença separando as Igrejas refratárias da Ásia Menor da comunhão da Santa Sé. Essa penalidade severa, que só foi imposta por Roma depois de esforços prolongados para erradicar os preconceitos asiáticos, despertou a compaixão de muitos bispos. Santo Irineu, que então ocupava a Sé de Lyon, intercedeu junto ao Papa em favor dessas Igrejas, que, segundo ele, haviam pecado apenas por falta de esclarecimento; e obteve a revogação de uma medida cuja gravidade parecia desproporcional à infração. Esta indulgência produziu seu efeito: no século seguinte, Santo Anatólio, bispo de Laodicéia, testemunha em seu livro sobre a Páscoa, escrito em 276, que as Igrejas da Ásia Menor vinham se adaptando anualmente, há algum tempo, à prática romana.

A obra do Concílio de Nicéia – Por uma estranha coincidência, mais ou menos na mesma época, as Igrejas da Síria, Cilícia e Mesopotâmia deram origem ao escândalo de um novo desentendimento na celebração da Páscoa. Elas abandonaram o costume cristão e apostólico para adotar o rito judaico do décimo quarto dia da lua de março. Este cisma na Liturgia afligiu a Igreja; e uma das primeiras preocupações do Concílio de Niceia foi promulgar a obrigação universal de celebrar a Páscoa no domingo. O decreto restabeleceu a unanimidade; e os Padres do Concílio ordenaram “que, sem controvérsia, os irmãos do Oriente celebrassem a Páscoa no mesmo dia que os romanos, os alexandrinos e todos os outros fiéis”[2]. A questão parecia tão séria por sua ligação com a própria essência da Liturgia cristã que Santo Atanásio, resumindo as razões que haviam motivado a convocação do Concílio de Niceia, atribuiu como motivos para sua reunião a condenação da heresia ariana e a restauração da união na solenidade da Páscoa.[3]

O Concílio de Niceia também regulamentou que o Bispo de Alexandria seria responsável por ordenar que os cálculos astronômicos fossem feitos a cada ano para ajudar a determinar o dia exato da Páscoa, e que ele enviaria ao Papa os resultados das descobertas feitas pelos sábios daquela cidade, que eram considerados os mais precisos em seus cálculos. Mais tarde, o Romano Pontífice enviaria cartas a todas as Igrejas nas quais recomendava a celebração uniforme da grande festa do cristianismo. Desta forma, a unidade da Igreja foi revelada através da unidade da Liturgia; e a Sé Apostólica, fundamento da primeira, foi ao mesmo tempo o meio para a segunda. Além disso, ainda antes do Concílio de Niceia, o Romano Pontífice tinha o costume de dirigir anualmente a todas as Igrejas uma encíclica pascal na qual indicava o dia em que se celebraria a solenidade da Ressurreição. É o que nos mostra a carta sinodal dos Padres do Concílio de Arles, em 314, dirigida ao Papa São Silvestre. “Antes de tudo”, dizem os Padres, “pedimos que a observância da Páscoa do Senhor seja uniforme no tempo e no dia em todo o mundo, e que envieis cartas a todos para esse fim, segundo o costume”.[4]

Contudo, esse uso não persistiu por muito tempo após o Concílio de Niceia. A falta de meios astronômicos causou perturbações na forma como o dia da Páscoa era calculado. É verdade que essa festa foi definitivamente fixada no domingo; a partir de então, nenhuma Igreja teve permissão para celebrá-la no mesmo dia que os judeus; entretanto, como a data exata do equinócio da primavera era desconhecida, o dia real da solenidade variava em alguns anos, dependendo do local. A regra dada pelo Concílio de Niceia de considerar 21 de março como o dia do equinócio foi gradualmente descartada. O cronograma exigia uma reforma que ninguém estava disposto a empreender; os calendários se multiplicaram, contradizendo-se entre si, de modo que Roma e Alexandria nem sempre se entendiam. Por esta razão, de vez em quando, a Páscoa era celebrada sem a unanimidade absoluta que o Concílio de Niceia havia buscado; mas ambas as partes agiram de boa fé.

A reforma do Calendário – O Ocidente se uniu em torno de Roma, que acabou triunfando sobre alguma oposição na Escócia e na Irlanda, cujas Igrejas se deixaram levar por ciclos errôneos. Finalmente, a ciência fez progressos consideráveis ​​no século XVI, permitindo que Gregório XIII empreendesse e concluísse a reforma do Calendário. O objetivo era restabelecer o equinócio em 21 de março, de acordo com as disposições do Concílio de Niceia. Por bula de 24 de fevereiro de 1581, o Pontífice tomou esta medida suprimindo dez dias do ano seguinte, de 4 a 15 de outubro; dessa forma, ele restabeleceu a obra de Júlio César, que em sua época também havia tomado medidas bem-sucedidas em cálculos astronômicos. Mas a Páscoa era a ideia fundamental e o objetivo da reforma implementada por Gregório XIII. As memórias do Concílio de Niceia e suas normas sempre dominaram esta questão central do ano litúrgico; e assim, mais uma vez, o Romano Pontífice sinalizou para o universo a celebração da Páscoa, não apenas por um ano, mas por longos séculos.

As nações heréticas experimentaram, a seu apesar, a autoridade divina da Igreja nesta promulgação solene que influenciou tanto a vida religiosa como a civil; e protestaram contra o Calendário, assim como protestaram contra a regra da fé. A Inglaterra e os estados luteranos da Alemanha preferiram manter por muito tempo o calendário errôneo, que a ciência rejeitava, a aceitar das mãos de um papa uma reforma reconhecida pelo mundo como indispensável. Hoje, a Rússia é a única nação europeia que, por ódio à Roma de São Pedro, persiste em ter seu calendário dez ou doze dias atrasado em relação ao usado no mundo civilizado.

Fatos milagrosos – Todos esses detalhes, que damos em resumo, mostram a grande importância da data da festa da Páscoa; e o céu demonstrou mais de uma vez com milagres que não ficou indiferente a esta data sagrada. Numa época em que a confusão dos ciclos e a imperfeição dos meios astronômicos criavam tanta incerteza sobre a data exata do equinócio de primavera, eventos milagrosos ocasionalmente forneciam indicações que nem a ciência nem a autoridade podiam fornecer com certeza. Pascasino, bispo de Lilibea, na Sicília, testemunha em uma carta endereçada a São Leão Magno em 444 que, durante o pontificado de São Zósimo, quando Honório foi cônsul pela décima primeira vez e Constâncio pela segunda, uma intervenção celestial revelou o verdadeiro dia da Páscoa a uma população humilde e religiosa.

Em uma parte esquecida da Sicília, escondida entre montanhas inacessíveis e florestas densas, uma vila chamada Meltina. Sua igreja era uma das mais pobres, mas Deus desceu até ela em sua bondade; porque todos os anos, na noite de Páscoa, quando o padre ia ao batistério para abençoar a água, a fonte sagrada ficava milagrosamente cheia, sem nenhum canal ou outra fonte próxima para alimentá-la. Uma vez terminada a administração do batismo, a água desaparecia por si só e a pia batismal ficava seca. Ora, no ano em questão, aconteceu que o povo se reuniu durante a noite que, enganado por uma contagem falsa, pensou ser Páscoa, e quando, tendo terminado de ler as profecias, o padre foi com seus seguidores ao batistério, a pia batismal foi vista seca e sem água. Os catecúmenos esperaram em vão pela presença do líquido pelo qual a regeneração lhes seria conferida e se retiraram ao amanhecer. No dia 22 de abril seguinte, o décimo dia antes das calendas de maio, a fonte apareceu cheia até a borda, testemunhando que aquele dia era a verdadeira Páscoa daquele ano.

Cassiodoro, escrevendo em nome do Rei Atalarico a um personagem chamado Severo, relata outro prodígio que era realizado anualmente com o mesmo propósito, na noite de Páscoa, na Lucânia, perto da pequena ilha de Leucoteia, em um lugar chamado Marciliano. Havia ali uma grande fonte que havia sido escolhida para a administração do batismo na noite de Páscoa. O padre mal havia começado as solenes orações de bênção sob a abóbada natural que cobria a fonte, quando a água, como se quisesse participar dos transportes da alegria pascal, aumentou no lago; de modo que se antes subia ao quinto degrau, agora era visto subindo ao sétimo, como se antecipasse as maravilhas da graça, das quais seria o instrumento; Deus mostra assim que até mesmo a natureza insensível pode associar-se, quando Ele permite, às santas alegrias do maior dia do ano.

São Gregório de Tours fala de uma fonte que existia em sua época em uma certa igreja da Andaluzia, em um lugar chamado Osen, onde ocorreu um evento milagroso que serviu também para confirmar o verdadeiro dia da Páscoa. Todos os anos o bispo ia com seu povo a esta igreja na Quinta-feira Santa. A nascente da fonte tinha formato de cruz e era decorada com mosaicos. Se comprovava se estava completamente seca; e depois de algumas orações todos deixavam a igreja, e o bispo fechava a porta. No Sábado Santo o bispo retornava cercado pelo seu povo; as portas eram abertas depois de verificada a integridade do selo e, ao entrar no recinto sagrado, contemplaram a fonte cheia de água até a superfície da terra, sem nunca transbordar. O bispo proferiu exorcismos sobre aquela água milagrosa e derramou crisma sobre ela. Depois os catecúmenos foram batizados; e quando o sacramento foi conferido a todos, a água desapareceu imediatamente, sem que ninguém soubesse para onde ela tinha ido[5]. Os cristãos do Oriente também testemunharam maravilhas semelhantes. No século VII, John Mosch fala de uma pia batismal na Lícia que era enchida com água todos os anos na véspera da festa da Páscoa; mas permaneceu por cinquenta dias completos e foi subitamente esgotado após a festa de Pentecostes.[6]

Na História da Paixão, recordamos as leis dos imperadores cristãos que proibiam os julgamentos civis e criminais durante todo o período da quinzena da Páscoa, ou seja, depois do Domingo de Ramos até a oitava da Páscoa. Santo Agostinho, num sermão proferido nesta oitava, exorta os fiéis a estenderem pelo resto do ano a suspensão de processos, disputas e inimizades, que a lei civil pretendia suspender pelo menos por estes quinze dias.

O dever da Comunhão – A Igreja impõe a todos os seus filhos a obrigação de receber a Sagrada Eucaristia no tempo da Páscoa; e este dever se baseia na intenção do Salvador, que, embora não tenha fixado ele mesmo o tempo do ano em que os cristãos deveriam aproximar-se deste augusto sacramento, deixou à sua Igreja o cuidado e a obrigação de determiná-lo. Nos primeiros séculos, a comunhão era frequente, e até diária, dependendo do local. Mais tarde, os fiéis se tornaram frios em relação a esse mistério divino; e vemos, de acordo com o cânon 18 do Concílio de Agda, em 506, que na Gália muitos cristãos haviam decaído de seu fervor primitivo. Foi então declarado que os leigos que não recebessem a comunhão no Natal, Páscoa e Pentecostes não seriam considerados católicos. Esta disposição do Concílio de Agda foi adotada quase como lei geral na Igreja Ocidental. Encontramos isso em outras partes dos regulamentos de Egbert, Arcebispo de York, e no Terceiro Concílio de Tours. Entretanto, em vários lugares, vemos a Comunhão prescrita para os domingos da Quaresma, para os últimos três dias da Semana Santa e para a festa da Páscoa.

No início do século XIII, no Quarto Concílio Geral de Latrão, em 1215, a Igreja, considerando a tibieza que constantemente invadia a sociedade, determinou, com muita relutância, que os cristãos não seriam estritamente obrigados a fazer mais de uma Comunhão por ano, e que essa Comunhão seria feita na Páscoa. Para fazer os fiéis compreenderem que essa condescendência é o limite máximo que pode ser concedido à sua negligência, o santo concílio declara que todo aquele que ousar violar essa lei poderá ser proibido de entrar na igreja por toda a vida e privado do sepultamento eclesiástico após sua morte, como se ele próprio tivesse renunciado ao vínculo externo da unidade católica.[7]

Estas disposições de um concílio ecumênico mostram a grande importância do dever por elas sancionado; ao mesmo tempo, eles nos fazem apreciar com dor o lamentável estado de uma nação católica, onde milhões de cristãos desafiam a cada ano as ameaças de sua Igreja Mãe, recusando-se a submeter-se a um dever cujo cumprimento constitui a vida de suas almas, ao mesmo tempo em que é a profissão essencial de sua fé. E quando é necessário excluir do número daqueles que não se mostram surdos à voz da Igreja e vêm sentar-se à festa da Páscoa, aqueles para quem a penitência quaresmal é como se não existisse, devemos temer e preocupar-nos com a sorte desse povo se não surgirem de tempos a tempos alguns sinais que suscitem esperanças e que prometam um futuro de gerações mais cristãs que a nossa.

Ritos litúrgicos – O período de cinquenta dias que separa a festa da Páscoa da de Pentecostes sempre foi objeto de particular respeito na Igreja. A primeira semana, consagrada principalmente aos mistérios da Ressurreição, deveria ser celebrada com especial esplendor; mas o resto dos cinquenta dias também foram sem suas honras. Além da alegria que caracteriza toda esta época do ano, e cuja expressão é o Aleluia, a tradição cristã atribui dois usos à Páscoa que a diferenciam do resto do ano. A primeira é a abolição do jejum de quarenta dias: é a extensão do antigo preceito que proíbe o jejum no domingo; todo esse período alegre deveria ser considerado como um único domingo. As regras religiosas, mesmo as mais austeras, do Oriente e do Ocidente aceitavam essa prática.

A outra prática especial, que foi literalmente preservada na Igreja Oriental, consiste em não dobrar os joelhos durante os serviços religiosos da Páscoa ao Pentecostes. Nossos costumes ocidentais modificaram esse costume, que foi observado entre nós por muitos séculos. A Igreja Latina admitiu depois de muito tempo a genuflexão na Missa durante o tempo pascal; e os únicos vestígios que ela preservou da antiga disciplina nisso, tornaram-se quase imperceptíveis aos fiéis que não estão familiarizados com as rubricas do ofício divino.

Assim, todo o tempo da Páscoa é como uma celebração contínua; Tertuliano proclamou isso já no século III, quando, censurando certos cristãos sensuais pelo sentimento que sentiam por terem renunciado, através do batismo, a tantas festas que ilustravam o ano pagão, disse-lhes: “Se amais as festas, também as encontrareis entre nós: não festas de um dia, mas de muitos. Entre os pagãos, a festa é celebrada apenas uma vez por ano; para vós, agora, a cada oito dias há uma festa. Reuni todas as solenidades dos gentios, não chegareis ao quinquagésimo dia do nosso Pentecostes.”[8] Santo Ambrósio, escrevendo aos fiéis sobre o mesmo assunto, faz a seguinte observação: “Se os judeus, não contentes com seu sábado semanal, celebram outro sábado que dura um ano inteiro, quanto mais devemos fazer para honrar a Ressurreição do Senhor! Por esta razão, fomos ensinados a celebrar os cinquenta dias de Pentecostes como parte integrante da Páscoa. São sete semanas completas, e a festa de Pentecostes inicia a oitava semana. Durante esses cinquenta dias, a Igreja suspende o jejum, como no domingo em que o Senhor ressuscitou; e todos esses dias são como um único e mesmo domingo.”[9]

 

 


[1] I Coríntios 15,21.22.

[2] Spicilegium Solesmense, t. IV, p. 541.

[3] Carta aos Bispos da África.

[4] Concil. Galliae…

[5] La gloria de los Mártires, t. I, c. XXIV.

[6] El prado espiritual, c. CCXV.

[7] Mais tarde, o Papa Eugênio IV, na constituição Fide digna, dada no ano de 1440, declarou que essa comunhão anual poderia ser feita do Domingo de Ramos até o Domingo de Quasímodo, inclusive.

[8] De idolatria, c. XIV.

[9] Comentario sobre San Lucas, t. VIII, c. XXV.

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