A QUINTA-FEIRA SANTA “IN CENA DOMINI”

A QUINTA-FEIRA SANTA “IN CENA DOMINI”
Ano Litúrgico – Dom Próspero Gueranger
OFÍCIO NOTURNO
Caráter do Ofício – O Ofício de Matinas e Laudes dos três últimos dias da Semana Santa difere em muitas coisas dos demais dias do ano. A Igreja suspende as aclamações de alegria e esperança com as quais geralmente começa o louvor divino. Já não é mais ouvido ressoando no templo o Domine, labia mea aperies, nem Deus in adiuntorium meum intende, nem Gloria Patri no final dos salmos, dos cânticos e dos responsórios. Os ofícios retêm apenas o que é essencial para sua forma e todas essas aspirações de vida que foram adicionadas ao longo dos séculos são suprimidas.
O nome – Dá-se vulgarmente o nome de Trevas às Matinas e Laudes destes três últimos dias da Semana Santa, porque são comemorados ainda muito de manhã, antes do nascer do sol.
O candelabro – Um rito imponente e misterioso, próprio desses ofícios, também confirma esse nome. Um grande candelabro triangular é colocado no presbitério, perto do altar, sobre o qual há quinze velas. Essas velas, assim como as seis no altar, são feitas de cera amarela, como no ofício fúnebre. No final de cada um dos salmos ou cânticos, apaga-se uma vela no grande candelabro; somente a que fica no final do triângulo permanece acesa. As velas do altar também são apagadas durante o Benedictus. Em seguida, um acólito pega a vela que ficou acesa no candelabro e a segura sobre o altar enquanto o coro canta a Antífona que se segue. Depois esconde a vela (sem apagá-la) atrás do altar. Ele a mantém escondida da vista durante a recitação da oração final que segue o Benedictus. Uma vez terminada esta oração, ela não é mais feita como também era feita antigamente no final deste ofício.
O simbolismo dos ritos – Vamos agora explicar o significado das várias cerimônias. Encontramo-nos nos dias em que a glória do Filho de Deus é eclipsada pelas ignomínias da Paixão. “Ele era a luz do mundo”, poderoso em obras e palavras, recentemente aclamado pelas aclamações da multidão, mas vejam-no hoje despojado de toda grandeza, o homem das dores, um leproso, como diz Isaías. “Um verme da terra e não um homem”, diz o Rei Profeta; “motivo de escândalo para os seus discípulos”, diz o próprio Jesus. Todos o abandonam: Pedro chega a negar tê-lo conhecido. Esse abandono, essa deserção quase geral, é representada pela extinção sucessiva das velas do candelabro triangular e das do altar.
Contudo, a luz desconhecida de Cristo não se apaga. A vela é colocada no altar por um momento. Ele está lá como Cristo no Calvário, onde sofre e morre. Para simbolizar o sepultamento de Jesus, a vela é colocada atrás do altar; sua luz não aparece mais. Então um barulho confuso é ouvido no santuário. Este ruído expressa as convulsões da natureza no momento em que Jesus Cristo expirou na cruz, a terra tremeu, as rochas se partiram e os sepulcros se abriram. Mas de repente a vela reaparece sem ter perdido nada de sua luz; o barulho cessa e todos adoram o glorioso vencedor da morte.
Lamentações de Jeremias sobre Jerusalém – Todas as lições do primeiro noturno destes três dias são tiradas das Lamentações de Jeremias. Elas nos revelam o espetáculo desolador que a cidade de Jerusalém ofereceu quando seus habitantes foram levados cativos para a Babilônia, como punição por sua idolatria. A ira de Deus se manifesta nessas ruínas, que Jeremias deplora com palavras tão verdadeiras e terríveis. Mas esse desastre é apenas uma amostra de outro ainda mais horripilante. Jerusalém, tomada e devastada pelos assírios, ao menos mantém seu nome; e o Profeta, que lamenta diante de seus muros, anuncia que essa desolação não durará mais de setenta anos, mas em sua segunda ruína, a cidade infiel perde até mesmo seu nome.
Reconstruída pelos seus vencedores, manteve o nome de Aelia Capitalina por mais de dois séculos; e se, com a paz da Igreja, ela voltou a ser chamada Jerusalém, isso não foi uma homenagem a Judá, mas uma memória do Deus do Evangelho que Judá havia crucificado nesta cidade. Nem a piedade de Santa Helena e Constantino, nem os valentes esforços dos Cruzados conseguiram preservar permanentemente em Jerusalém sequer a sombra de uma cidade secundária. Seu destino é permanecer escrava dos infiéis até o fim do mundo. Foi justamente nestes dias que a maldição caiu sobre ela: por isso a Igreja, para nos fazer compreender a grandeza do crime cometido, faz ressoar em nossos ouvidos os gritos do Profeta, o único que poderia igualar a dor às suas lamentações. Esta comovente elegia é cantada de uma maneira muito simples que remonta à antiguidade. Os nomes das letras do alfabeto hebraico, que dividem cada uma das estrofes, indicam a forma acróstica que este poema contém no original. Essas lamentações são cantadas porque os próprios judeus as cantavam.
OFÍCIO DA MANHÃ
A preparação da Páscoa – Este dia é o primeiro dos pães ázimos. Ao pôr do sol, os judeus têm que comer a Páscoa em Jerusalém. Jesus ainda está em Betânia, mas entrará na cidade antes do início da refeição da Páscoa; isto é o que a Lei ordena; e Jesus quer observá-lo escrupulosamente até revogá-lo com o derramamento de seu sangue. Por isso, ele envia dois de seus discípulos a Jerusalém para preparar o banquete legal, sem deixá-los saber como ele terminará. Nós, que já conhecemos este mistério, cuja instituição remonta a esta última ceia, compreendemos bem por que Jesus escolheu Pedro e João nesta ocasião para realizar as suas intenções. Pedro, o primeiro a confessar a divindade de Cristo, para representa a fé; e João, que reclinou a cabeça sobre o peito de Jesus, representa o amor. O mistério que será promulgado na ceia desta noite revela o amor pela fé; este é o ensinamento que Jesus Cristo nos dá quando escolhe estes dois apóstolos; mas eles não conseguiram penetrar as intenções do coração de seu divino Mestre.
O cenáculo – Jesus, que sabia de tudo, mostra-lhes os meios para conhecer a casa que hoje vai honrar com a sua presença. Eles só terão que seguir um homem, que carrega uma jarra de água na cabeça. A casa em que este homem entra é habitada por um judeu rico que reconhece a missão celestial de Jesus. Os dois discípulos propuseram a essa pessoa as intenções do seu Mestre; e imediatamente ele lhes mostrou uma sala grande e bem mobiliada. De fato, era apropriado que não fosse qualquer lugar usado para a celebração do mais augusto mistério. Esta sala, na qual a realidade sucederia às figuras, era muito superior ao templo de Jerusalém. O primeiro altar deveria ser construído dentro de seu recinto. Ali seria oferecida a “oblação pura”, como havia sido anunciado pelo Profeta.
Neste mesmo local, algumas horas depois, começará o sacerdócio cristão. Ali, finalmente, cinquenta dias depois, a Igreja de Cristo, reunida e visitada pelo Espírito Santo, deveria anunciar-se ao mundo e promulgar a nova e universal aliança de Deus com os homens. Este santuário da nossa fé não foi apagado da terra; seu assento está marcado para sempre no Monte Sião.
Jesus retornou a Jerusalém com seus discípulos. Ele encontrou tudo preparado. O Cordeiro Pascal, depois de ter sido apresentado no templo, foi conduzido ao cenáculo; ele está preparado para a ceia legal; pão sem fermento com ervas amargas é oferecido aos comensais. Em breve, ao redor da mesma mesa, de pé, com a cintura cingida e o cajado na mão, o Mestre e seus discípulos realizarão — pela última vez — o rito solene que Deus lhes havia prescrito na saída do Egito.
As cerimônias deste dia – Mas esperemos a hora da Santa Missa para retomar esta narrativa, e primeiro revejamos detalhadamente as numerosas cerimônias que darão um caráter peculiar a este dia. Em primeiro lugar, encontramos a reconciliação dos Penitentes. Hoje não passa de uma mera lembrança, mas é interessante descrevê-la para dar um complemento necessário à liturgia quaresmal. Depois vem a Consagração dos Santos Óleos. Ela só acontece em igrejas catedrais, mas é de interesse de todos os fiéis. Depois de explicar brevemente esses ritos, falaremos sobre a Missa de hoje.
A RECONCILIAÇÃO DOS PENITENTES
Antigamente, hoje eram celebradas três Missas Solenes[1], a primeira das quais era precedida pela absolvição dos Penitentes públicos e sua reintegração na Igreja. A reconciliação ocorria desta maneira. Eles se apresentavam à porta da Igreja com vestes penitenciais, descalços e com barbas e cabelos longos, porque os deixaram crescer desde o dia em que receberam a penitência, na Quarta-feira de Cinzas. O bispo recitava os sete Salmos Penitenciais e depois a Ladainha dos Santos.
Durante essas orações, os penitentes prostravam-se no pórtico sem cruzar o limiar da porta da Igreja. Três vezes durante a Ladainha, o bispo enviava alguns clérigos para levar-lhes palavras de esperança e conforto. Na primeira vez, dois diáconos lhes diziam: “Vivo eu, diz o Senhor, não quero a morte do pecador, mas que ele se converta e viva”. Na segunda vez, dois outros subdiáconos lhes davam esta advertência: “O Senhor diz: Arrependam-se, porque o reino de Deus está próximo”. Por fim, o diácono trazia-lhes a terceira mensagem: “Levantai vossas cabeças, porque a redenção está próxima”.
Depois destas palavras anunciando a iminência do perdão, o bispo deixava o santuário e descia ao centro da nave principal; neste local era-lhe preparado um assento, de frente para o limiar da porta da igreja, onde os penitentes continuavam prostrados. O Pontífice estava sentado e o arquidiácono dirigia-se a ele nestes termos:
“Venerável Pontífice: Eis o tempo favorável, os dias em que Deus se compadece, o homem é salvo, a morte é destruída e a vida começa. Este é o tempo em que novas plantas nascem na vinha do Senhor dos Exércitos, para substituir as degeneradas. E embora não haja um dia em que Deus não derrame sua bondade e misericórdia sobre os homens, hoje, no entanto, a graça de Cristo é mais abundante para a remissão dos pecados naqueles que recebem um novo nascimento. O número do nosso povo aumenta por causa dos recém-nascidos e por causa daqueles que, tendo caído, retornam novamente à nossa companhia. Se existe um banho purificador, há outro não menos eficaz: o das lágrimas. Portanto, há um duplo motivo de alegria para a Igreja: o alistamento daqueles que foram chamados e a absolvição daqueles que retornam por arrependimento. Eis aqui os vossos servos, que, tendo esquecido os mandamentos do céu e a lei dos santos costumes, caíram em vários crimes: eis aqui humilhados e prostrados. Eles invocam o Senhor com o Profeta, dizendo: ‘Pecamos, agimos perversamente; tem misericórdia de nós, Senhor.’ Eles esperaram com plena confiança naquelas palavras do Evangelho: ‘Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados’. Eles comeram, como está escrito, o pão da dor; banharam o leito com suas lágrimas; mortificaram seus corações com a dor e seus corpos com o jejum, a fim de recuperar a saúde de suas almas. A penitência é uma só; mas está disponível a todos que desejam se valer dela.”
O bispo levantava-se e aproximava-se dos catecúmenos. Dirigia-se a eles com uma exortação sobre a misericórdia divina e ensinava-lhes como deveriam viver dali em diante. Então lhes dizia: “Venham, meus filhos, ouçam-me; eu lhes ensinarei o temor de Deus.” O coro cantava esta antífona do Salmo 33: “Aproxima-te do Senhor e ele te iluminará; não serás envergonhado.” Os penitentes, levantando-se do chão, iam ajoelhar-se aos pés do Pontífice; o arquidiácono dirigia-lhe este pedido:
“Restitui-lhes, Pontífice Apostólico, tudo o que as sugestões diabólicas destruíram neles; aproximai estes homens de Deus pela eficácia das vossas orações e pela graça da reconciliação divina. Até agora, eles eram culpados; mas doravante, tendo triunfado sobre o autor da sua morte, regozijar-se-ão em servir a Deus na terra dos vivos.”
O Bispo respondeu: “Sabes se eles são dignos de serem reconciliados?”
E depois que o arquidiácono respondia: “Eu sei e testifico que eles são dignos”, um diácono ordenava que eles se levantassem. Então o bispo pegava um deles pela mão; este oferecia-a ao seguinte e sucessivamente todos os outros penitentes uniam-se do mesmo modo e dirigiam-se à cadeira do Bispo, colocada no centro da nave. Durante este tempo era cantada esta antífona: “Eu vos digo que até os anjos do céu se alegram por um pecador que faz penitência”; e esta outra: “Alegra-te, meu filho, porque teu irmão estava morto e ressuscitou; estava perdido e foi achado.” O Bispo, falando no tom solene do Prefácio, dirigia-se a Deus desta maneira:
“É justo dar-vos graças, Senhor Santo, Deus Todo-Poderoso, Pai Eterno, por Jesus Cristo, nosso Senhor, a quem concedestes no tempo um nascimento inefável para pagar a dívida que contraímos em Adão, para destruir a nossa morte com a sua, para receber em seu corpo as nossas feridas e lavar as nossas manchas com o seu Sangue, para que nós, que havíamos caído pela inveja do antigo inimigo, pudéssemos ser ressuscitados pela misericórdia do Salvador. Por ele, Senhor, nós vos suplicamos que esqueçais os pecados dos outros, visto que não somos dignos de implorar pelos nossos. Lembrai-vos, Senhor misericordioso, destes homens separados de vós pelos seus pecados. Vós, Senhor, não rejeitastes a humilhação de Acabe, mas suspendeste a vingança que seus crimes mereciam, para que ele pudesse se arrepender dignamente. Ouvistes as lágrimas de Pedro e imediatamente lhe confiastes as chaves do reino dos céus. Dignai-vos, Senhor misericordioso, acolher estes vossos servos, que são objeto das nossas súplicas; conduzi-os pelo caminho da vossa Igreja, para que o inimigo não mais triunfe sobre eles; em vez disso, que o vosso Filho os purifique dos seus pecados, que Ele se digne a admiti-los na festa desta santíssima Ceia, que Ele os alimente com a sua Carne e o seu Sangue, e que Ele os conduza, depois desta vida, à vida eterna.”
Após esta Oração, todos os presentes, clérigos e leigos, ajoelhavam-se com os penitentes diante da majestade divina e recitavam os três Salmos que começam com a palavra Miserere. O Bispo levantava-se então e pronunciava sobre os penitentes, que ainda permaneciam ajoelhados no chão, bem como sobre todos os presentes, seis orações solenes, das quais damos aqui os principais extratos:
“Escutai as nossas preces, Senhor, e embora eu precise da vossa misericórdia mais do que qualquer outra pessoa, dignai-vos, no entanto, ouvir-me. Vós me destes, não pelos meus méritos, mas pelo dom da vossa graça, o vosso ministério nesta obra de reconciliação; dai-me a confiança para o cumprir e atuar no meu ministério, que é vosso. Vós trouxestes de volta ao redil a ovelha perdida; vós, que ouvistes a oração do publicano, restaurai a vida a estes vossos servos, pois não quereis a sua morte. Vós, cuja bondade nos segue quando nos afastamos de vós, acolhei em vosso serviço aqueles que já se arrependeram. Tende misericórdia de seus suspiros e lágrimas; curai suas feridas e estendei a eles vossa mão salvadora. Não permitais que vossa Igreja sofra a menor perda em nenhum de seus membros, nem que seus seguidores sofram prejuízo; que o inimigo não se alegre com o mal causado à vossa família; que a segunda morte não devore aqueles que nasceram de novo no banho sagrado. Perdoai, Senhor, estes homens que confessam os seus pecados; que não incorram nas penas que lhe serão dadas pela sentença do futuro julgamento; que eles ignorem o horror da escuridão e o crepitar das chamas. Tirados do caminho do erro e adentrados no da justiça, não recebam doravante novas feridas; mas a integridade de alma que eles receberam e que a vossa misericórdia reparou permaneça neles para sempre. Eles maceraram seu corpo e se entregaram à penitência; ‘devolvam-lhes as vestes nupciais e permitam que voltem a sentar-se no banquete real, do qual foram excluídos’.”
Depois destas orações, o Bispo, estendendo a mão sobre os penitentes, reintegrava-os com esta fórmula:
“Jesus Cristo, nosso Senhor, que se dignou a apagar todos os pecados do mundo, entregando-se à morte e derramando seu Sangue puríssimo por nós; e que disse aos seus discípulos: ‘Tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu’; que se dignou a admitir-me, embora indigno, entre os depositários de seu poder, que Ele, pela intercessão de Maria, Mãe de Deus, do bem-aventurado Arcanjo São Miguel, do Apóstolo São Pedro, a quem foi dado o poder de ligar ou desligar, de todos os Santos, e pelo meu ministério, se digne absolver-vos, pelos méritos de seu Sangue derramado para a remissão dos pecados, de todos os vossos pecados, em pensamento, palavra e ação, e depois de desatar as cadeias de vossos pecados, se digne conduzir-vos à vida eterna. Por Nosso Senhor Jesus Cristo que vive e reina em união com o Pai e o Espírito Santo por todos os séculos dos séculos. Amém.”
Por fim, disse-lhes em despedida estas palavras do Apóstolo: “Levanta-te, tu que dormes, e sai do meio dos mortos, e Cristo te iluminará”.
Então os penitentes se levantavam e, como sinal da alegria que sentiam por estarem reconciliados com Deus, apressavam-se a despir suas vestes largas e a vestir hábitos decentes para se aproximarem da mesa do Senhor com os demais fiéis.[2]
A BÊNÇÃO DOS SANTOS ÓLEOS
A segunda Missa celebrada na Quinta-feira Santa nos tempos antigos era acompanhada pela consagração dos Santos Óleos, um rito anual que sempre requer o ministério do Bispo como consagrador. Esta importante cerimônia acontece agora na única Missa celebrada esta manhã nas catedrais. Como esta cerimônia não é comum a todas as igrejas, não daremos todos os seus detalhes aqui; contudo, não queremos privar nossos leitores da instrução que eles podem tirar do mistério dos Santos Óleos. A fé nos ensina que se somos regenerados pela água, somos confirmados e fortalecidos pelo óleo consagrado; em suma, o óleo é um dos principais elementos que o divino autor dos Sacramentos escolheu para justificar e ao mesmo tempo operar a graça em nossas almas.
A Igreja fixou este dia desde os tempos antigos, todos os anos, para renovar os Santos Óleos, cuja virtude é tão grande em suas diferentes formas; porque se aproxima o tempo em que ela deverá utilizá-lo nos neófitos que estarão presentes na noite de Páscoa. É importante que todos os fiéis conheçam detalhadamente a sagrada doutrina de tão admirável elemento, e a explicaremos aqui brevemente para despertar sua gratidão ao Salvador, que chamou as criaturas visíveis para servir nas obras de sua graça e lhes deu, por meio de seu Sangue, a virtude sacramental, que doravante residirá nelas.
Óleo dos Enfermos – O primeiro dos Santos Óleos a receber a bênção do Bispo é o chamado “Óleo dos Enfermos”, que é matéria da Extrema Unção. Ele apaga as relíquias do pecado no cristão moribundo, fortalece-o em sua batalha final e, pela virtude sobrenatural que possui, às vezes restaura a saúde física. Antigamente, a bênção deste óleo não era fixada na Quinta-feira Santa, mas podia ser em qualquer outro dia, porque seu uso, por assim dizer, é contínuo[3]. Essa bênção foi posteriormente adiada para o dia em que os outros dois óleos eram consagrados devido à igualdade do elemento que eles compartilham. “Os fiéis devem comparecer com reverência à consagração deste óleo que ungirá seus membros enfraquecidos e purificará seus sentidos. Pensem na sua hora final e bendigam a bondade inesgotável do Salvador, cujo sangue corre tão abundantemente com este precioso licor”.[4]
O santo Crisma – O mais nobre dos Santos Óleos é o Crisma; sua consagração é mais solene. Por meio do Crisma, o Espírito Santo imprime seu selo inefável no cristão, já membro de Cristo pelo Batismo. A água nos dá vida; mas o óleo nos dá força e até que recebamos a unção ainda não possuímos a perfeição do caráter cristão. Ungido com este óleo, o fiel torna-se membro do Homem-Deus, cujo nome, Cristo, significa a unção que ele recebeu como Rei e como Pontífice. Esta consagração do cristão pelo Crisma está tão no espírito dos nossos mistérios que, ao sair da pia batismal, antes de ser admitido à Confirmação, o neófito recebe na cabeça a primeira unção, ainda que não sacramental, deste óleo real, para indicar que agora participa da realeza de Jesus Cristo.
Para exprimir com um sinal tangível a alta dignidade do santo Crisma, a tradição apostólica ordena que o Bispo misture nele bálsamo, que representa o que o Apóstolo chama de “bom odor de Cristo”[5], de quem também está escrito; “Corremos atrás do aroma dos seus perfumes.”[6] A raridade e o alto preço dos perfumes do Oriente obrigaram a Igreja a usar o bálsamo apenas na preparação do Santo Crisma; a Igreja Oriental, mais favorecida pelo clima e pelos produtos das regiões em que vive, utiliza em sua composição até trinta e três espécies de perfumes, de modo que condensados com o Santo Óleo formam uma espécie de unguento de cheiro delicioso.
O Santo Crisma, além do seu uso sacramental na Confirmação, e daquele que a Igreja faz para os neobatizados, é usado para a unção da cabeça e das mãos na consagração dos Bispos; para a consagração de cálices, altares, bênção de sinos, enfim, na dedicação das Igrejas, na qual o Bispo unge as doze cruzes que darão testemunho da glória da casa de Deus nos séculos futuros.
O óleo dos Catecúmenos – O terceiro dos Santos Óleos é o chamado Catecúmeno. Embora não seja objeto de nenhum sacramento, é, no entanto, uma instituição apostólica. É usado nas cerimônias de Batismo para a unção do Catecúmeno no peito e nas costas, antes da imersão ou infusão na água. Também é usado na ordenação de sacerdotes, na unção das mãos e na consagração de reis e rainhas. Estas são as noções que os fiéis devem ter para ter uma ideia do papel que o Bispo terá na Missa desta manhã, na qual, como canta Fortunato no hino que indicaremos em seguida, ele quita sua dívida trabalhando esta tríplice bênção que só dele pode vir.
O rito litúrgico – A Igreja realiza uma cerimônia incomum nesta circunstância. Doze sacerdotes vestidos com casulas, sete diáconos e sete subdiáconos, todos vestidos com as vestes de suas ordens, assistem ao culto. O Pontifical Romano nos ensina que os doze sacerdotes contribuem para ser testemunhas e cooperadores do Santo Crisma. A Missa começa e continua com os ritos próprios deste dia; mas antes de começar a Oração do Senhor, o bispo deixa inacabada a oração do Cânon que a precede, desce do altar e vai até a cadeira que lhe foi preparada, ao lado de uma mesa sobre a qual está o frasco cheio do Óleo que servirá para ungir os enfermos. Ele inicia esta bênção pronunciando os exorcismos sobre o óleo, para remover dele toda influência de espíritos malignos, que, guiados por seu ódio ao homem, procuram infectar os elementos naturais; então ele o abençoa com estas palavras:
“Enviai, Senhor, do alto do céu, o vosso Santo Espírito, o Paráclito, a este óleo que vos dignastes produzir de uma árvore frutífera para o alívio da alma e do corpo. Que a vossa bênção seja um remédio celestial que nos proteja e remova todas as dores e todas as doenças da alma e do corpo, como ungistes sacerdotes, reis, profetas e mártires. Que seja, Senhor, uma unção perfeita a que nos abençoastes, e que ela permaneça em nossos corações. Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.”
Depois desta bênção, o subdiácono, que havia trazido o frasco, o carrega novamente com respeito e dignidade; e o Pontífice retorna ao altar para consumar o Sacrifício. Após a distribuição da comunhão ao clero, ele retorna à cadeira preparada ao lado da mesa. Os doze sacerdotes, os sete diáconos e os sete subdiáconos retornam ao local onde os outros dois frascos foram colocados. Uma contém o óleo que será o Crisma da salvação, e a outra o licor que servirá como Óleo dos Catecúmenos. No mesmo momento a procissão reaparece e avança em direção ao Pontífice. Cada ampola é transportada por um diácono; enquanto um subdiácono carrega o recipiente contendo o bálsamo.
O bispo primeiro abençoa o bálsamo, que na oração ele chama de “uma lágrima perfumada que flui da casca de um ramo frutífero para se tornar um perfume sacerdotal”. Em seguida, ele inicia a bênção do Óleo do Crisma, soprando três vezes sobre ele em forma de Cruz. Os doze sacerdotes realizam alternadamente a mesma insuflação, cujo primeiro exemplo vemos no Evangelho. Significa a virtude do Espírito Santo, representada pelo sopro, por causa do seu nome “espírito” que logo fará deste Óleo um instrumento do seu poder divino. Mas primeiro o bispo pronuncia os exorcismos sobre ele; e depois de ter preparado esta substância para receber a ação da graça do alto, canta a dignidade do Santo Crisma neste magnífico Prefácio que remonta aos primeiros séculos da nossa fé.
“Verdadeiramente é digno e justo, e igualmente salutar, que, sempre e em todo o lugar, Vos demos graças, ó Senhor, Pai Santo, onipotente e eterno Deus: Vós que, no princípio, entre os mais dons da Vossa bondade, fizestes que a terra produzisse árvores de fruto, em cujo número está a oliveira produtora deste riquíssimo óleo que há de servir para o santo Crisma. Já Davi antevendo, pelo espírito profético, os sacramentos da Vossa graça, cantou a alegria que ao rosto dá o óleo; e, quando os crimes do mundo foram lavados pelo dilúvio, uma pomba anuncia a paz restituída à terra, trazendo um ramo de oliveira, símbolo dos dons futuros; o que nos nossos tempos manifestadamente se realiza, quando, apagados pelas águas do batismo todos os crimes cometidos, a unção deste óleo torna os nossos rostos alegres e serenos. Assim foi também que ao Vosso servo Moisés mandastes que, depois de purificado com a água o seu irmão Aarão, com a infusão deste óleo o ungisse sacerdote. Honra maior se veio acrescentar, quando o Vosso Filho Nosso Senhor Jesus Cristo exigiu ser batizado por João nas águas do Jordão, e sobre Ele fizestes descer o Espírito Santo em forma de pomba, e pela voz que a seguir se fez ouvir mostrastes que Ele era o Vosso Unigênito Filho em quem havíeis posto todas as Vossas complacências e demonstráveis com toda a clareza ser Ele aquele que o profeta Davi tinha cantado como havendo de ser ungido mais que ninguém com o óleo da alegria. Por isso, Vos suplicamos, Senhor, Pai santo, Deus onipotente e eterno, por Jesus Cristo Vosso Filho e Senhor nosso, que Vos digneis santificar e abençoar este óleo, criatura Vossa, e nele derrameis a virtude do Espírito Santo, pelo poder do mesmo Cristo Vosso Filho, de quem o Crisma recebe o nome, (Crisma) com que ungistes os sacerdotes, os reis, os profetas e os mártires. Fazei que ele seja Crisma da salvação para aqueles que hão de renascer da água e do Espírito Santo, e os torne participantes da vida eterna e consortes da glória celeste.”
O Pontífice, depois destas palavras, toma o bálsamo que previamente havia misturado numa patena e, despejando esta mistura na ampola, completa a consagração do Santo Crisma. Imediatamente, para honrar o Espírito Santo que deve trabalhar através deste óleo sacramental, saúda o frasco que o contém dizendo: “Ave, Santo Crisma”. Os doze sacerdotes seguem o exemplo do pontífice e procedem imediatamente à bênção do Óleo dos Catecúmenos.
Depois das insuflações e exorcismos que tiveram lugar como o Santo Crisma, o Bispo se dirige a Deus com esta Oração:
“Deus, que recompensais todo o aumento e progresso espiritual que pela virtude do Espírito Santo firmais os primeiros passos das almas ainda fracas, nós Vos suplicamos, Senhor, que Vos digneis lançar a Vossa bênção sobre este óleo, e àqueles que se hão de aproximar do lavacro da bem-aventurada regeneração concedei, mediante a unção com este óleo, a purificação do espírito e do corpo. Ao contato deste óleo santo, desapareça as manchas neles deixadas pelos inimigos espirituais; nem aos espíritos perversos sua malícia, nem aos anjos rebeldes seu poder, nem ao tentador sua pérfida sedução se deixe exercer contra eles. Antes, para os Vossos servos, que vem buscar a fé e hão de ser purificados pela virtude do Vosso Espírito Santo, seja este unguento proveitoso para a salvação, a qual hão de alcançar pelo novo nascimento duma regeneração celestial no sacramento do batismo. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, que há de vir julgar os vivos e os mortos, e o mundo pelo fogo.”
O Bispo saúda o frasco que contém o óleo que acaba de conferir tão altas prerrogativas, dizendo: “Ave, Santo Óleo”. Os doze sacerdotes o imitam. Depois que dois diáconos tomaram, um o Santo Crisma e o outro o Óleo dos Catecúmenos, a procissão parte para levar os dois frascos a um lugar digno onde devem ser guardados. Eles são, juntamente com o Óleo dos Enfermos, cobertos com um pano de seda, branco para o Santo Crisma, verde para os Catecúmenos e roxo para os Enfermos.
Aqui estão resumidos os detalhes desta importante cerimônia, mas, com tudo isso, não queremos privar o leitor do belíssimo hino composto por Venâncio Fortunato, Bispo de Poitiers, século VI, e cujas majestosas estrofes, retiradas pela Igreja Romana da antiga liturgia galicana, acompanham a chegada e o retorno das santas ampolas:
Hino – Ó Redentor, aceitai o hino que Vos cantamos. (2x)
Ouvi, ó Juiz dos mortos, dos mortais única esperança, as vozes que dos que anunciam o dom que promete a paz.
A luz fecundou a árvore do que vai ser consagrado, e este cortejo oferece a Quem quis salvar o mundo.
Já revestido, o Pontífice reza diante do altar; e realiza o ofício, consagrando o santo Crisma.
Dignai-Vos Vós consagrar, ó Rei da Pátria perene, este óleo, símbolo vivo da graça contra os demônios.
Renovada a humanidade pela unção do santo Crisma, que por ele seja curada a nossa glória ferida.
Lavada a alma em tal fonte, afugentam-se os pecados; ungida assim nossa fronte, brilham os santos carismas.
Do seio do Pai nascido e encarnado no da Virgem, dai luz, livrai da morte, a quem recebe a unção.
Seja de festa este dia, pelos séculos dos séculos; e que os seus santos louvores nem com o tempo envelheçam.
MISSA DA QUINTA-FEIRA SANTA
A Ceia – Propõe-se hoje a Santa Igreja renovar com especial solenidade, a ação do Salvador na Última Ceia, segundo o preceito dado aos Apóstolos: “Fazei isto em memória de Mim”, vamos tomar o relato evangélico que interrompemos no momento em que Jesus entrou no salão da festa pascal.
A páscoa judaica – Ele chegou de Betânia, todos os apóstolos estão presentes, até mesmo o próprio Judas, que guarda seu segredo. Jesus se senta à mesa na qual o cordeiro está preparado, os discípulos sentam-se com ele: os ritos que o Senhor prescreveu a Moisés para seguir seu povo são fielmente observados. No início da refeição, Jesus toma a palavra e diz aos seus apóstolos: “Eu queria comer convosco esta Páscoa antes da minha Paixão”[7]. Falou dessa maneira não porque essa páscoa tivesse uma vantagem sobre as dos anos anteriores, mas porque teria a oportunidade de instituir a nova Páscoa que ele havia preparado amorosamente para os homens; por ter amado o seu povo que estava no mundo, diz São João, os amou até o fim.
Durante a refeição, Jesus, que nada escondia no coração, proferiu estas palavras que deixaram sem palavras e com espanto aos seus discípulos: “Em verdade vos digo que um de vós me trairá, sim, um daqueles que coloca neste momento a mão no prato comigo é meu traidor”. Que amargura esta queixa contém! Quanta misericórdia para o culpado, que conhecia a bondade do seu Mestre! Jesus abriu a porta do perdão, mas ele não se aproveita disso. Tal era a paixão que o dominara, que ele queria satisfazer com sua venda infame! Ele ousa dizer como os outros: sou eu, Senhor? Jesus responde em voz baixa, para não comprometer seus irmãos: “Sim, és tu, tu o disseste”. Judas não desiste, permanece calmo e aguarda a hora da traição. Os convidados, de acordo com o uso oriental, foram colocados dois a dois sobre estrados de madeira, preparados, pela munificência do discípulo, que empresta sua casa ao Salvador, para esta última Ceia.
João, o discípulo amado, está ao lado de Jesus, para que ele possa, em sua terna familiaridade, descansar a cabeça no peito de seu Mestre. Pedro, sentado no estrado vizinho, ao lado do Senhor, que é assim, entre os dois discípulos que haviam enviado de manhã para preparar todas as coisas e que representam, um a fé e o outro o amor. O jantar foi triste. Os discípulos estavam inquietos por causa da confidência que Jesus lhes dera. É compreensível que a alma de João precisasse desabafar com o Salvador, pelas demonstrações ternas de seu amor.
Os apóstolos não esperavam que uma nova refeição acontecesse pela primeira vez. Jesus guardou um segredo, mas, tendo que sofrer, teve que manter sua promessa. Ele disse na Sinagoga de Cafarnaum: “Eu sou o Pão vivo que desceu do céu, se alguém comer deste Pão viverá para sempre. O Pão que eu vou dar é a minha carne, para a vida do mundo. Minha carne é verdadeiramente comida e meu sangue é verdadeiramente bebida, quem come a minha carne e bebe o meu sangue vive em mim e eu nele.”[8] Chegara o momento em que o Salvador realizaria essa maravilha de sua caridade por nós. Ele esperou pela hora de sua imolação para cumprir sua promessa. Mas eis que sua paixão começou. Já foi vendido para seus inimigos, sua vida estará em suas mãos. Ele pode oferecer-se em sacrifício e distribuir aos seus discípulos a própria carne e sangue de vítima.
O lava-pés – A ceia terminou, quando Jesus se levantou, diante da estranheza dos Apóstolos, despojado de suas vestes exteriores, pegou uma toalha, cingiu-o como um criado, derramou água na bacia e deu a entender que pretendia lavar os pés, conforme era uso oriental lavar os pés antes de participar da festa; mas o maior grau de hospitalidade era quando o próprio senhor da casa prestava esse cuidado aos seus convidados. Jesus é aquele que neste momento convida seus Apóstolos para o jantar divino e se digna a fazer com eles como o hóspede mais diligente; mas como suas ações sempre contêm um fundo inesgotável de ensinamentos, ele quer, portanto, nos dar um aviso sobre a pureza que é requerida naqueles que têm de se sentar à mesa: “Quem já está limpo, diz Ele, não precisa lavar os pés”[9]. É como se dissesse: tal é a santidade desta mesa, que para aproximar-se é necessário não apenas que a alma seja purificada de suas mais graves manchas, mas deve também apagar as mais leves, que pelo contato com o mundo contraímos e que são como pó leve que se prende aos pés. Explicaremos mais tarde outros mistérios presentes na cerimônia do lava-pés.
Jesus se dirige primeiro a Pedro, futuro chefe de sua Igreja. O Apóstolo recusa essa humilhação de seu Mestre, Jesus insiste e Pedro é forçado a ceder. Os outros Apóstolos que, como Pedro, ficaram nos estrados, viram sucessivamente o Mestre aproximar-se deles para lavar os pés. Não poupa o próprio Judas. Ele havia recebido um segundo apelo misericordioso, alguns momentos antes, quando Jesus falando a todos disse: “Vós estais limpos, mas não todos”. Essa repreensão tinha sido insensível. Jesus, quando terminou de lavar os pés dos doze, recostou-se no estrado, ao lado da mesa, ao lado de João.
Pedro foi ferido pela insistência de seu mestre. Ele quer encontrar o traidor, que desonra o colégio apostólico, mas não ousando perguntar a Jesus, a cuja direita está recostado, ele faz um sinal para João que está à esquerda do Salvador para tentar obter um esclarecimento. João se apoia no peito de Jesus e diz em voz baixa: “Mestre, quem é ele?” Jesus responde: “Aquele a quem eu dou um pedaço de pão molhado”. Jesus toma um pouco de pão e, tendo molhado, ofereceu a Judas. Foi um novo convite, mas inútil para essa alma impassível a toda ação da graça. O evangelista acrescenta: “Depois que ele recebeu o pedaço de pão, Satanás entrou nele”. Jesus ainda diz duas palavras: “O que estais decido a fazer, faça logo”. E o desgraçado sai da sala para executar seu crime.
A Instituição da Eucaristia – Então, tirando o pão sem fermento que sobrou da Ceia, ele levanta os olhos para o céu, abençoa o pão e distribui-o aos seus discípulos, dizendo-lhes: “Tomai e comei, este é o meu corpo”. Os Apóstolos recebem este Pão, feito Corpo do seu Mestre; se alimentam dele; assim Jesus não está só com eles à mesa, mas está neles.
Assim como este mistério divino, não é apenas o mais augusto dos sacramentos, mas é um verdadeiro Sacrifício, que requer a efusão do sangue, Jesus pega o cálice e transforma o vinho em seu próprio Sangue, dá aos seus discípulos e diz: “Bebei todos, é o Sangue da Nova Aliança, que será derramado por vós.” Os Apóstolos participam um após o outro desta bebida divina.
A Instituição do Sacerdócio – Estas são as circunstâncias da Ceia do Senhor, cujo aniversário nos une hoje, mas não teríamos contado o suficiente, se não acrescentássemos um fato essencial. O que acontece hoje no Cenáculo não é um evento que aconteceu uma vez na vida do Filho de Deus, e os Apóstolos não são os únicos convidados privilegiados na mesa do Senhor. No Cenáculo, assim como houve mais de uma refeição, também houve algo mais que um Sacrifício, por mais divina que fosse a vítima oferecida pelo Soberano Pontífice. Acontece aí a instituição de um novo sacerdócio. Como Jesus teria dito aos homens: “Se não comerdes minha Carne e não beberdes meu Sangue, não tereis a vida em vós”, se não tivesse se proposto estabelecer na terra um ministério pelo qual se renovasse, até o fim dos tempos, o que acabou de fazer na presença de seus discípulos? Mas diz aos homens que escolheu: “Fazei isto em memória de Mim”. Dá-lhes, por essas palavras, o poder de também mudar o pão no Seu Corpo e o vinho em Seu Sangue, e esse poder será transmitido na Igreja pela ordenação, até o fim dos séculos. Jesus continuará realizando pelo ministério de homens pecadores a maravilha que Ele fez no Cenáculo. E, ao mesmo tempo, que dota a sua Igreja com o Sacrifício único, dá-nos, segundo a sua promessa, por meio do Pão do céu, os meios de “viver n’Ele e Ele em nós”. Vamos, então, celebrar outro aniversário não menos maravilhoso que o primeiro: A instituição do sacerdócio cristão.
Missa
Uma só Missa – Para expressar de maneira sensível aos olhos dos fiéis, a majestade e a unidade desta Ceia que o Salvador deu aos seus discípulos e a todos nós em sua pessoa, a Igreja hoje proíbe os sacerdotes, a celebração de toda Missa privada, fora o caso de necessidade. Ela quer que se ofereça um só Sacrifício, que todos os sacerdotes assistam, para a comunhão eles se aproximam do altar revestidos de estola, a insígnia de seu sacerdócio, para receber o Corpo do Senhor das mãos do celebrante.
Alegria e tristeza – A Missa da quinta-feira santa é uma das mais solenes do ano, e embora a instituição da festa do Santíssimo Sacramento pretenda honrar este mistério com o maior esplendor, a Igreja, ao estabelecê-la, não quis que o aniversário da Ceia do Senhor perca nenhuma das honras que lhe são devidas. A cor das vestes é branca como nos dias do Natal e da Páscoa; toda a luta desapareceu. Muitos ritos anunciam que a Igreja teme por seu Esposo, mas suspende por um momento as tristezas que a oprimem. No altar, o sacerdote cantou o hino angélico: “Glória a Deus nas alturas”. Os sinos lançados em voo acompanham a música até o fim, mas a partir deste momento eles permanecerão em silêncio e durante as longas horas de silêncio, darão à cidade um tom de solidão e abandono. A Igreja quer nos fazer sentir que este mundo, testemunha dos sofrimentos e da morte de seu Criador, deixou toda a melodia e permaneceu triste e desamparado. E acrescentando a esta impressão geral, uma memória mais precisa, lembra-nos que os Apóstolos, pregadores de Cristo, representados pelos sinos cujo som chama os fiéis à casa de Deus, fugiram e deixaram o seu Mestre nas mãos de seus inimigos.
O Mandato – Depois do conto do Evangelho, a Missa é um tanto suspensa, para dar lugar à cerimônia do Mandato ou lava-pés, que antigamente se realizava depois do meio-dia, e que o Decreto de 16 de novembro de 1955 prescreve que, de agora em diante, seja feito neste lugar da Missa, pelo menos onde for possível.
Os Monumentos – Mesmo que a Igreja suspenda por algumas horas a celebração do Sacrifício eterno, não quer que seu Divino Esposo perca nenhuma das honras que lhe são devidas no Sacramento do Amor. A piedade católica encontrou um meio de transformá-la em um triunfo para a Igreja. Eucaristia os momentos, em que a Hóstia Santa parece inacessível à nossa indignidade prepara um monumento em cada templo. Para lá se translada o Corpo do Senhor, e embora esteja coberto de véus, os fiéis irão se colocar ao Seu redor com suas aspirações e adorações. Eles virão para honrar o repouso do Homem-Deus: “Onde estiver o corpo, ali se reunirão as águias”[10]. De todas as partes do mundo, um concerto vivo e afetuoso de orações será levantado para Jesus, em compensação pelos ultrajes que Ele recebeu nessas mesmas horas dos judeus. Lá se reunirão as almas fervorosas, onde Jesus já habita, e os pecadores arrependidos pela graça e no processo de reconciliação.
A estação – Em Roma, a estação é celebrada em São João do Latrão. A grandeza deste dia, a Reconciliação dos Penitentes, e a consagração do Crisma, pedem unanimemente esta metrópole da cidade e do mundo. Hoje, com tudo isso, a função acontece no Palácio do Vaticano.[11]
No Intróito a Igreja usa as palavras de São Paulo para glorificar a Cruz de Jesus Cristo; celebra com entusiasmo o divino Redentor que, morrendo por nós, foi a nossa salvação; que pelo seu Pão divino é a vida de nossas almas e por sua Ressurreição, é autor da nossa ressurreição.
INTRÓITO – QUANTO a nós, devemos gloriar-nos na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. N’Ele está a nossa salvação, vida e ressurreição. Por Ele fomos salvos e livres. SL. Deus tenha piedade de nós e nos abençoe, faça resplandecer sobre nós a sua Face e se compadeça de nós. – Quanto a nós.
Na Coleta a Igreja coloca diante de nossos olhos o destino tão diferente de Judas e do bom ladrão, os dois culpados, mas um condenado e o outro perdoado. Pede ao Senhor que a Páscoa de seu Filho, em cuja conta essa justiça e essa misericórdia são cumpridas, seja para nós a remissão de pecados e a fonte da graça.
COLETA – Ó DEUS, de quem Judas recebeu o castigo de seu pecado, e o ladrão a recompensa de sua profissão de fé, concedei-nos o efeito de vossa misericórdia, a fim de que, como Nosso Senhor Jesus Cristo em sua Paixão, a um e outro tratou segundo os méritos, assim também, destruída a nossa antiga maldade, nos conceda a graça de sua Ressurreição, Ele, que, sendo Deus, convosco vive e reina.
EPÍSTOLA – Leitura da primeira Epístola de são Paulo aos Coríntios.
IRMÃOS, quando realizais as vossas reuniões, já não é a ceia do Senhor que vós comeis! Pois na hora de comer, cada um toma logo a sua própria refeição, e um tem fome enquanto o outro se embriaga! Não tendes casas para comer e beber? Ou desprezais a igreja de Deus e quereis humilhar aqueles que nada têm? Que vos direi? Irei, acaso, felicitar-vos? Não; neste ponto não vos felicito. Eu recebi do Senhor o que por minha vez vos transmiti: o Senhor Jesus, na noite em que foi entregue, tomou o pão, e, tendo dado graças, partiu-o e disse: “Tomai e comei, isto é o meu corpo entregue por vós. Fazei isto em memória de mim.” Tomando igualmente o cálice, após a refeição, ele disse: “Este cálice é a nova Aliança no meu sangue. Fazei-o, cada vez que o beberdes, em memória de mim.” Todas as vezes que comeis este pão e bebeis este cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha. Assim, todo aquele que come o pão ou bebe o cálice do Senhor indignamente deverá responder pelo corpo e pelo sangue do Senhor. Que cada um se examine, e só então coma deste pão e beba deste cálice; porque aquele que coma e beba indignamente, come e bebe sua própria condenação, não discernindo o corpo do Senhor. É por isto que há entre vós muitos doentes e enfermos, e grande número de mortos. Se soubéssemos julgar a nós mesmos, não seríamos julgados. Mas, julgados pelo Senhor, somos por ele corrigidos, para não sermos condenados com este mundo.
Pureza necessária para comungar – O grande Apóstolo dos gentios depois de ter repreendido os cristãos de Corinto, pois os abusos que deram origem aos jantares chamados Ágapes, que o espírito de fraternidade havia instituído e que logo foram suprimidos, relata a Ceia do Senhor. Ele insiste no poder que o Salvador deu aos seus discípulos, para renovar a ação que Ele acabara de realizar. Mas nos ensina de um modo particular que, cada vez que o sacerdote consagra o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, “anuncia a morte do Senhor”, implicando com estas palavras a unidade dos sacrifícios da cruz e do altar. “Examine-se, então, cada homem por si mesmo”, diz São Paulo, “e depois coma este Pão e beba deste Cálice.” De fato, para participar de um modo íntimo do mistério da Redenção, a fim de contrair uma união muito próxima com a Vítima divina, devemos banir de nós tudo o que é pecado ou afeição pelo pecado. “Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue permanece em Mim e Eu nele”, diz o Salvador. Pode haver algo mais íntimo? Com que cuidado devemos purificar nossa alma, unir nossa vontade com a de Jesus, antes de nos aproximarmos dessa mesa que ele preparou para nós e para a qual nos convida! Peçamos que Ele mesmo nos prepare, como preparou os Apóstolos lavando-lhes os pés. Ele fará isso, agora e sempre, se nos entregarmos completamente ao seu amor.
O Gradual é composto pelas palavras que a Igreja repete a cada momento durante esses três dias. São Paulo quer com elas reavivar em nós um profundo reconhecimento para com o Filho de Deus que se entregou por nós.
GRADUAL – CRISTO fez-se por nós obediente até a morte, e morte de cruz. V. Por isso Deus o exaltou, e deu-lhe um Nome acima de todos.
EVANGELHO – Continuação do santo Evangelho segundo São João.
ANTES da festa da Páscoa, sabendo que chegara para ele a hora de passar deste mundo a seu Pai, Jesus, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim. Ora, durante a ceia, quando o demônio já havia posto no coração de Judas Iscariote, filho de Simão, a decisão de entregá-lo, sabendo que o Pai lhe havia posto tudo entre as mãos, que saíra de Deus e voltava a Deus, levanta-se da mesa, despe o manto, e toma uma toalha que amarra à cintura. Em seguida, derrama água na bacia, e põe-se a lavar os pés de seus discípulos, enxugando-os com a toalha que cingira. Chega, então, diante de Simão Pedro. E Pedro lhe disse: “Senhor, tu me lavas os pés?” Jesus respondeu-lhe: “Aquilo que eu faço, não o sabes agora; depois compreenderás.” Pedro lhe disse: “Não, jamais me lavarás os pés.” Jesus respondeu-lhe: “Se eu não te lavo, não terás parte comigo.” Simão Pedro lhe disse: “Senhor, não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça!” Jesus lhe disse: “Aquele que tomou um banho não tem necessidade de lavar-se, senão os pés: pois está todo puro. Vós também estais puros, mas não todos.” Ele sabia, com efeito, quem iria entregá-lo; eis porque dissera: “Não estais todos puros.” Ora, quando acabou de lavar-lhes os pés, e retomou o manto e retornou à mesa, ele lhes disse: “Compreendeis o que vos fiz? Vós me chamais: Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque o sou. Se, pois, eu vos lavei os pés, eu, o Senhor e Mestre, deveis também lavar-vos os pés uns aos outros. Foi um exemplo que vos dei, a fim de que façais, vós também, como eu vos fiz.”
A nova lição de pureza – A ação do Salvador de lavar os pés de seus discípulos antes de admiti-los a participar de seu mistério divino contém uma lição para nós. Alguns momentos atrás, o Apóstolo nos disse: Cada um examine-se a si mesmo. Jesus disse aos seus discípulos: “Vós estais limpo”, e acrescentou, “mas não todos”. Da mesma forma, o Apóstolo nos diz que há aqueles que se tornam réus do Corpo e do Sangue do Senhor. Temamos a morte destes e nos examinemos, examinemos nossa consciência antes de nos aproximarmos da Mesa Sagrada. O pecado mortal e o afeto ao pecado, transformariam em veneno a comida que dá a vida à alma. Mas, se devemos ter grande reverência à Mesa do Senhor, para apresentar-nos a ela sem as manchas pelas quais a alma perde toda a semelhança com Deus e se rende aos terríveis dardos de Satanás, devemos também, por respeito à santidade divina que virá até nós, purificar até mesmo as menores manchas, com as quais poderíamos feri-la. “Aquele que já está limpo não precisa lavar mais do que os pés”, diz o Senhor. Os pés são os laços terrestres pelos quais somos expostos ao pecado. Vigiemos nossos sentidos e os movimentos de nossa alma. Purifiquemo-nos destas manchas com uma sincera confissão de penitência, com as dores e mortificações, para que, recebendo dignamente este Santíssimo Sacramento, nos ocorra toda a plenitude de sua virtude.[12]
LAVA-PÉS
Lição de caridade fraterna – Depois de Jesus lavar os pés dos discípulos, lhes disse: “Compreendeis o que eu acabei de fazer? Vós me chamais de Mestre e dizeis bem, porque eu sou. Se, então, eu, o Mestre e Senhor, vos lavei os pés quanto mais vós, deveis lavar os pés uns dos outros, lhes dei um exemplo, assim como eu fiz, façais também vós”. A Igreja reuniu e colocou em prática estas palavras. Em todos os séculos, os cristãos foram vistos, seguindo o exemplo do homem Deus, cumprindo este mandato ao pé da letra, lavando os pés uns dos outros.
Antiguidade do rito – Nos primórdios do cristianismo, esse ato de caridade era frequente. São Paulo, enumerando as qualidades da viúva cristã, recomenda que Timóteo tome o cuidado de “lavar os pés dos santos, isto é, dos fiéis”[13]. Vemos esta prática piedosa usada pelos mártires, e mais tarde ainda nos séculos de paz. Os atos dos santos dos primeiros seis séculos, as Homilias e os Tratados dos Padres fazem alusões contínuas. Pouco a pouco, no decorrer do tempo, a caridade esfriou, deixando esta prática confinada aos mosteiros. Com tudo isso, de tempos em tempos, surgiram exemplos admiráveis, mesmo entre os reis, que para humilhar o orgulho do homem, queriam imitar o Redentor. A Igreja, que não pode deixar de perder as tradições recomendadas por seu Fundador, deseja que, pelo menos uma vez ao ano, o exemplo da humildade do Salvador seja colocado diante dos olhos dos fiéis. Ele quer que em cada Igreja importante, o prelado ou o superior honre esta humilhação do Filho de Deus, observando o rito do lava-pés. O Santo Padre, no Palácio do Vaticano, dá um exemplo a toda a Igreja e, no mundo, os bispos seguem seus passos.
O número escolhido – Comumente doze pobres são escolhidos para servir como os doze apóstolos, mas o Soberano Pontífice lava os pés de treze sacerdotes de diferentes nacionalidades; é por isso que a Santa Igreja, em seu cerimonial, exige esse número nas Igrejas da catedral. Esse uso foi interpretado de várias maneiras. Alguns viram neles o número perfeito do colégio apostólico, que tinha treze: o traidor Judas foi substituído por Matias e Paulo acrescentado por uma provisão especial de Jesus. Outros melhor informados por Bento XIV[14], dizem que a razão para este número deve ser procurada em um fato da vida de São Gregório Magno, cuja memória Roma preservou. Este distinto Pontífice lavava todos os dias os pés de doze pobres que eram admitidos à sua mesa. Um dia aconteceu que se encontrou um desconhecido, misturado com os outros, sem que fosse visto: esse personagem era um anjo, a quem Deus enviara para testemunhar, com sua presença, quão agradável lhe era esse ato de Gregório. A cerimônia do lava-pés é também chamada de Mandato por causa da primeira palavra da antífona que é cantada nesta função.
A cerimônia do lava-pés também é chamada de Mandato, em razão da primeira palavra da antífona que é cantada nessa função. Depois do Evangelho no qual é narrado a ação do Senhor, o celebrante tira sua casula, cinge-se com uma toalha [a modo de avental] e dirige-se àqueles a quem deve lavar os pés. Ajoelha-se na frente de cada um deles e beija seu pé após depois de o lavar. Enquanto isso, o coral canta as seguintes antífonas:
ANTÍFONA – UM novo mandamento eu vos dou: amai-vos uns aos outros, como eu vos amei, diz o Senhor. SL. Felizes são os puros em seu caminho: aqueles que andam na Lei do Senhor. – Um novo.
A antífona Mandatum é repetida e assim faz-se nas demais depois de seu versículo.
ANTÍFONA – DEPOIS que o Senhor se levantou da Ceia, derramou água em uma bacia e começou a lavar os pés de seus discípulos: esse exemplo os deixou. SL. Grande é o Senhor e muito digno de louvor: na cidade do nosso Deus e no seu monte santo. – Depois que o Senhor.
ANTÍFONA – O SENHOR Jesus, depois de cear com seus discípulos, lavou seus pés e disse-lhes: Sabeis o que eu, vosso Senhor e Mestre, acabo de vos fazer? Eu dei-vos um exemplo para façais o mesmo. SL. Abençoastes a vossa terra, Senhor. Repatriastes os cativos de Jacob. – O Senhor Jesus.
ANTÍFONA – SENHOR, lavarás meus pés? Jesus respondeu, e disse-lhe: Se não lavar os teus pés, não tereis parte comigo. V. Veio, pois, a Simão Pedro, e Pedro lhe disse: R. Senhor, lavarás meus pés? V. O que eu faço, não entendes agora: mas depois entenderá. – R. Senhor, lavarás meus pés?
ANTÍFONA – SE eu, teu Senhor e Mestre, lavei os teus pés, quanto mais deves lavar os pés uns dos outros? SL. Ouvi isso, todos os povos: escutai com vossos ouvidos aqueles que habitam a terra. – Se eu, teu Senhor.
ANTÍFONA – NISTO todos conhecerão que vós sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros. V. Jesus disse aos seus discípulos. – Nisto todos conhecerão.
ANTÍFONA – PERMANEÇAM em vós três coisas: fé, esperança e caridade; mas o maior delas é a caridade. V. Agora estas três coisas permanecem: fé, esperança e caridade; mas o maior delas é a caridade. – Permaneçam em vós.
Depois dessas antífonas é cantada o hino a seguir, que nunca deve ser omitido, porque é uma exortação à caridade, da qual o lava-pés é um símbolo.
ONDE há caridade e amor, Deus aí está.
O amor de Cristo nos uniu.
Exultemos e nos alegremos nele.
Temamos e amemos o Deus vivo.
E o amemos de coração sincero.
Onde há caridade e amor, Deus aí está.
Estando reunidos aqui como um.
Evitemos nos dividir em espírito.
Cessem as malignas brigas, e os processos.
E isso, em nosso meio, esse Cristo, Deus.
Onde há caridade e amor, Deus aí está.
Fazei que vejamos com os santos
A vossa Face gloriosa, ó Cristo Deus.
E a alegria, que é imensa e pura.
Pelos séculos dos séculos infinitos. Amém.
O celebrante, revestido de novo com os paramentos, encerra a função com as preces seguintes: Pai Nosso (O resto da oração dominical se diz em voz baixa até às últimas petições).
E não nos deixe cair em tentação.
Mas livra-nos do mal.
Nos destes os vossos mandamentos, Senhor.
Para guarda-los zelosamente.
Lavastes os pés dos vossos discípulos.
Não desprezeis as obras de vossas mãos.
Senhor, ouvi minha oração.
E meu clamor chegue até vós.
O Senhor esteja convosco.
E com teu espírito
ORAÇÃO – ROGAMO-VOS, Senhor, que recebais favoravelmente o ministério de nossa servidão. E, já que vos dignastes lavar os pés de vossos discípulos, não desprezeis a obra de vossas mãos, que nos mandastes conservar, para que, assim como nós lavamos uns aos outros as imundícies exteriores, assim nos purifiqueis da mácula interior do pecado. Dignai-vos, Senhor, conceder-nos isto, vós que sendo Deus, viveis e reinais pelos séculos dos séculos. R. Amém.
Na antífona do Ofertório o fiel cristão, apoiado na palavra de Cristo que lhe prometeu o Pão da vida, dá liberdade à sua alegria. Dá graças por este Alimento que salva da morte aqueles que se alimentam dele da morte.
OFERTÓRIO – A DESTRA do Senhor mostra o seu poder; a destra do Senhor me exalta; não hei de morrer, mas viverei e contarei as obras do Senhor.
Na Secreta a Igreja lembra ao Pai celestial que hoje é o dia em que o Sacrifício oferecido neste momento foi instituído.
SECRETA – SENHOR santo, Pai onipotente, Deus eterno, nós Vos suplicamos que Jesus Cristo, vosso Filho, Nosso Senhor, Vos torne agradável o nosso sacrifício, Ele que o instituiu no dia de hoje e ensinou a seus discípulos o fizessem em sua memória, e sendo Deus, convosco vive e reina.
O sacerdote depois de receber a comunhão nas duas espécies, distribui a Santa Eucaristia ao clero; e, enquanto os fiéis, por sua vez, recebem a comunhão, o coro canta a antífona da Comunhão à qual podem ser adicionados os Salmos 22, 71, 103 e 150.
COMUNHÃO – O SENHOR Jesus, depois de cear com os seus discípulos, lavou-lhes os pés e disse-lhes: Compreendeis o que vos fiz, sendo eu vosso Senhor e Mestre? Dei-vos o exemplo para que também façais o mesmo.
Na pós-comunhão, a Igreja pede que preservemos até a eternidade o dom que acabamos de receber.
PÓSCOMUNHÃO – Saciados com este Alimento da vida, nós Vos suplicamos, Senhor, nosso Deus, que pelo Dom de vossa imortalidade alcancemos o que celebramos agora durante nossa vida mortal. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, que convosco vive e reina na unidade do Espírito Santo, Deus, por todos os séculos dos séculos.
SOLENE TRASLADAÇÃO DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO
Após a Missa, uma procissão se dirige para o lugar onde o Santíssimo Sacramento será depositado. O celebrante carrega o sagrado cibório sob um pálio, como na festa de Corpus Christi, mas hoje, o Corpo Sagrado do Redentor contido no cibório está coberto e não rodeado de raios de esplendor como o dia de seu triunfo. Adoremos este divino Sol da justiça e durante a marcha para o monumento cantemos o Pange, lingua, o hino do Santíssimo Sacramento, tão bem conhecido de todos.
No monumento, o celebrante incensa o sagrado cibório e o encerra no tabernáculo. Por alguns instantes, há silêncio e, em seguida, o cortejo retorna ao coro em silêncio e imediatamente avança para o desnudamento dos altares.
DESPOJAMENTO DOS ALTARES
O celebrante, auxiliado pelos ministros, remove as toalhas do altar. Este ritual anuncia que o sacrifício está suspenso. O altar permanecerá nu, até que a oferta sagrada possa ser oferecida à divina Majestade, mas, para isso, é necessário que o Senhor, vencedor da morte, triunfe da sepultura. Neste momento, está nas mãos dos judeus, eles vão tirar suas vestes, como nós denudamos os altares. Ele ficará exposto aos ultrajes de toda a cidade, é por isso que a Igreja manda que esta cerimônia seja acompanhada pela recitação do Salmo 21, no qual o Messias expõe de maneira tão surpreendente a ação dos romanos que, ao pé da Cruz, dividem seus despojos. Após o desnudamento dos altares, as Completas são recitadas no Coro.
NOITE
Disputa sobre a primazia – Judas, deixando o Cenáculo, se encaminha até o lugar onde estão os inimigos do Salvador, aproveitando as trevas da noite. Jesus, então, dirigindo-se a seus fiéis apóstolos, disse-lhes: “Agora o Filho do homem será glorificado”[15]. Ele falou da glória que deveria seguir sua Paixão; mas essa dolorosa Paixão já estava começando, e a traição de Judas foi o primeiro ato. Entretanto, os apóstolos, esquecendo logo a tristeza que se apoderou deles, quando Jesus anunciou que um deles deveria traí-lo, logo envolveram-se numa disputa. Discutiram qual deles tinha o primeiro lugar sobre os demais. Eles se lembraram das palavras que Jesus havia dito a Pedro quando o escolheu para o fundamento de sua Igreja; observaram que o Mestre lavou primeiro os pés de Pedro, antes de todos os outros; mas a familiaridade de João com Jesus na ceia os impressionara e suspeitaram que talvez a suprema honra seria reservada àquele que parecia ser o mais amado.
Jesus encerra esses debates, dando a esses futuros pastores de almas uma lição de humildade. Certamente havia um chefe entre eles; mas “o maior entre vós” lhes disse, “deve ser como o menor, e o que governa como o que serve”. Não estou Eu no meio de vós como quem serve?[16] Então, dirigindo-se a Pedro, ele disse: “Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como o trigo; mas eu roguei por ti, para que a tua confiança não desfaleça; e tu, por tua vez, confirma os teus irmãos”.[17]
Com isso, o Salvador ditava seu testamento: organizou o destino de sua Igreja, antes de abandoná-la.
Os apóstolos serão irmãos de Pedro, mas Pedro será o chefe deles. Essa qualidade será exteriorizada pela humildade; ele será o “servo dos servos de Deus”. O Colégio Apostólico dominará a fúria do inferno; mas apenas São Pedro será suficiente para confirmar seus irmãos na fé. O ensino estará sempre de acordo com a verdade divina, sempre infalível. Jesus rezou para que assim fosse. Oração onipotente pela qual a Igreja, sempre dócil à voz de Pedro, manterá a doutrina do Filho de Deus.
O Novo Mandamento – Jesus, depois de ter assegurado o futuro de sua Igreja pelas palavras ditas antes a São Pedro, dirige-se a todos com ternura incomparável: “Filhinhos, lhes disse, por um pouco apenas ainda estou convosco. Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Nisso todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros”. Perguntou-lhe Simão Pedro: “Senhor, para onde vais?”. Jesus respondeu-lhe: “Para onde vou, não podes seguir-me agora, mas tu seguirás mais tarde”. Respondeu Pedro: “Darei a minha vida por ti!”. Respondeu-lhe Jesus: “Darás a tua vida por mim? Em verdade, em verdade te digo: não cantará o galo até que me negues três vezes”[18]. O amor de São Pedro por Jesus era muito humano; não se fundava na humildade. A presunção vem do orgulho; e serve apenas para preparar nossas quedas. A fim de preparar Pedro para o seu ministério de perdão e também nos dar uma lição útil, Deus permite que quem se tornaria o Príncipe dos Apóstolos caia numa falta tão vergonhosa e séria.
Recolhamos, ainda, alguns aspectos das palavras penetrantes do Salvador neste momento de despedida.
A PAZ. – “Eu sou, disse-lhes, o caminho, a verdade e a vida. Se me amais guardareis meus mandamentos, e eu rogarei ao Pai, e vos dará outro Advogado para que esteja sempre convosco. Não vos deixarei órfãos; voltarei para vós. Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como o mundo a dá. Não se perturbe o vosso coração, nem se atemorize! Se me amardes, certamente haveis de alegrar-vos, pois vou para junto do Pai. Já não falarei muito convosco, porque vem o príncipe deste mundo; mas ele não tem nada em mim. O mundo, porém, deve saber que amo o Pai e procedo como o Pai me ordenou. Levantai-vos, vamo-nos daqui”.[19]
Jesus é a verdadeira videira – O Salvador continua seu desabafo celeste e a vinha lhe oferece a oportunidade de fazer uma comparação preciosa que nos mostra o relacionamento que a graça divina estabelece entre Ele e nossas almas. “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que não der fruto em mim, ele o cortará; e podará todo o que der fruto, para que produza mais fruto. Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. O ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira. Assim também vós: tampouco podeis dar fruto, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. Se alguém não permanecer em mim será lançado fora, como o ramo. Ele secará e hão de ajuntá-lo e lançá-lo ao fogo, e será queimado. Não fostes vós que me escolhestes, mas eu vos escolhi e vos constituí para que vades e produzais fruto, e o vosso fruto permaneça” (Jo 15).
Promessa do Espírito Santo – Depois Jesus anunciou as perseguições que os aguardavam e o ódio que o mundo teria por eles. Ele renovou a promessa que lhes havia feito anteriormente, de que lhes enviaria um Espírito Consolador, e disse-lhes como sua partida seria vantajosa para eles; e que receberiam do Pai tudo o que lhe pedissem. “O Pai, disse ele, vos ama, porque vós me amastes e crestes que saí de Deus. Saí do Pai e vim ao mundo. Agora deixo o mundo e volto para junto do Pai.” Disseram-lhe os seus discípulos: “Agora sabemos que conheces todas as coisas e que não necessitas que alguém te pergunte. Por isso, cremos que saíste de Deus”. Jesus replicou-lhes: “Credes agora!… Eis que vem a hora, e ela já veio, em que sereis espalhados, cada um para o seu lado, e me deixareis sozinho. Todos vós ficareis escandalizados esta noite por minha causa, pois está escrito: ferirei o pastor e as ovelhas do rebanho se dispersarão; mas quando eu ressuscitar, irei e vos encontrarei na Galiléia”.[20]
Oração sacerdotal – Pedro tentou protestar de sua fidelidade, que, segundo ele, era maior que a dos outros. Ele acreditava nisso porque sabia que tinha uma predileção especial por parte do Mestre, mas Jesus repete a pregação sobre a humildade que havia feito anteriormente a eles; depois, erguendo os olhos para o céu, exclamou: “Pai, é chegada a hora. Glorifica teu Filho, para que teu Filho glorifique a ti. Terminei a obra que me deste para fazer. Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste. Agora eles reconheceram que verdadeiramente que saí de ti, e creram que tu me enviaste. Por eles é que eu rogo. Não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus. Já não estou no mundo, mas eles estão ainda no mundo; eu, porém, vou para junto de ti. Pai santo, guarda-os em teu nome, os que que me entregastes, a fim de que sejam um como nós. Enquanto eu estava com eles, eu os guardava em teu nome. Conservei os que me deste, e nenhum deles se perdeu, exceto o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura. Dei-lhes a tua palavra, mas o mundo os odeia, porque eles não são do mundo, como também eu não sou do mundo. Não peço que os tires do mundo, mas sim que os preserves do mal. Não rogo somente por eles, mas também por aqueles que por sua palavra hão de crer em mim. Para que todos sejam um, assim como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, e o mundo creia que tu me enviaste. Pai, quero que, onde eu estou, estejam comigo aqueles que me deste, para que vejam a minha glória que me concedeste, porque me amaste antes da criação do mundo. Pai justo, o mundo não te conheceu, mas eu te conheci, e estes sabem que tu me enviaste. Manifestei-lhes o teu nome, e ainda hei de lhes manifestar, para que o amor com que me amaste esteja neles, e eu também neles”.[21]
Getsêmani – Essas foram as explosões de amor que vieram do Coração de Cristo naquela noite no Cenáculo. Depois disso, todos se levantaram e foram para o Horto das Oliveiras. Quando chegaram a um lugar, conhecido pelo nome de Getsêmani, Jesus entrou em um jardim onde costumava levar seus apóstolos para descansar com eles. Naquele momento, um sentimento de dor tomou conta de sua alma; sua natureza humana experimenta como que uma suspensão dessa felicidade que adquiriu por sua união com a divindade. Com tudo isso, interiormente, sua natureza humana será mantida até a consumação do sacrifício, e Ele suportará o máximo que puder. Jesus sente a necessidade de se retirar: quer fugir, em seu desânimo, dos olhos de seus discípulos. No entanto, quer que aqueles que foram testemunhas de sua gloriosa transfiguração o acompanhem: Pedro, Tiago e João. Serão eles mais firmes que os outros quando virem a humilhação de seu Mestre? As palavras que lhes dirige manifestam eloquentemente a comoção repentina em sua alma. Aquele cuja linguagem sempre foi tão serena, suas maneiras tão dignas, sua voz tão afetuosa, agora diz: “Minha alma está triste até a morte, ficai aqui e vigiai comigo”.[22]
A agonia – Ele se afasta a uma curta distância. Ali Jesus prostrado em terra exclama: “Meu Pai, tudo te é possível, afasta de mim esse cálice, mas não faça o que eu quero, mas o que tu queres”.[23] Ao mesmo tempo, um suor de sangue escorreu por seus membros, encharcando a terra. Isso não um simples abatimento nem pasmo: foi uma verdadeira agonia. Então Deus envia ajuda para essa natureza que expira e um Anjo recebe a missão de ajudá-lo. Jesus é tratado como um homem simples; sua humanidade desfeita, deve, sem outra ajuda sensível que não a do anjo, reanimar a si mesmo e aceitar novamente o cálice que lhe foi preparado. E que cálice era esse! As dores da alma e do corpo, o quebrantamento do coração, todos os pecados da humanidade que ele carregara com eles e clamavam contra Ele; a ingratidão dos homens, que tornará inútil para muitos o sacrifício que oferecerá. Jesus tem que aceitar todas essas amarguras neste momento em que parece, sirva a expressão, completamente reduzido à natureza humana; mas a virtude da divindade, que não o abandona, o sustenta, sem perdoar-lhe nenhuma angústia. Ele começa sua oração pedindo para não beber o cálice; mas termina dizendo ao Pai que não se cumpra outra vontade que a sua.
Solidão de Jesus – Jesus, então, se levanta deixando impresso na terra os traços sangrentos de suor que a violência da agonia fez correr através de seus membros; elas são as primeiras gotas de sangue redentor derramado. Ele vai até seus discípulos e os encontra dormindo. “Não pudestes vigiar uma hora comigo?”[24] Os seus já começavam a abandoná-lo. Ele ainda volta duas vezes à gruta, onde fez a primeira oração, desolada e submissa. Por duas vezes volta aos seus discípulos e, nas duas vezes, sempre encontra a mesma insensibilidade naqueles homens que havia escolhido para vigiar com Ele. “Dormi, disse-lhes, agora e repousai! Chegou a hora: o Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos pecadores”. Depois reanimando-os, disse: “Levantai-vos, vamos; se aproxima aquele que irá me entregar”.[25]
A prisão – Ele ainda estava falando quando o jardim foi subitamente invadido por uma multidão de pessoas armadas, conduzidas e lideradas por Judas. A traição é realizada pela profanação do sinal da amizade. “Judas: com um beijo entregas o Filho do Homem?”[26] Palavras expressivas e cheias de ternura que deveriam abater esse infeliz aos pés de seu Mestre. Mas já era tarde. O covarde não se atreveu a provocar a soldadesca que ele mesmo liderava, nem os servos do sumo sacerdote ousaram colocar as mãos em Jesus até que este lhes desse permissão. Uma palavra de sua boca foi suficiente para fazê-los cair de bruços no chão. Permite-lhes Jesus que se levantem e fala com eles com a majestade de um rei: “Se é a mim que buscais, deixai estes em paz. Viestes armados para me prender. Todos os dias me tinhas no templo e não tentastes me prender, mas esta é a sua hora e a do poder das trevas.” E dirigindo-se a Pedro, que desembainhou a espada, disse-lhe: Você acha que, se eu quisesse, não poderia pedir ao meu Pai que me enviasse mais de doze legiões de anjos? Mas, então, como se cumpririam as escrituras?
Jesus conduzido ao sumo sacerdote – Depois de dizer essas palavras, Jesus se deixa amarrar. Então os apóstolos, desanimados e tomados pelo pavor, fugiram. Somente Pedro com outro discípulo segue os passos do Mestre de longe. A turba que levava Jesus o faz passar pelo mesmo caminho que no domingo anterior tinha passado triunfalmente, quando outra multidão entusiasmada o aclamava batendo palmas e com ramos de oliveira. Passaram pela torrente de Cedrom.[27] Entretanto, chegaram às muralhas de Jerusalém. A porta se abre diante do prisioneiro divino; mas a cidade, coberta pelas sombras da noite, ignora o atentado que se acaba de cometer. Amanhã, ao amanhecer o dia, saberá que Jesus Nazareno, o grande Profeta, caiu nas mãos dos Príncipes dos Sacerdotes e dos Fariseus. A noite avança; mas ainda vai demorar para aparecer a aurora. Os inimigos de Jesus decidiram entregá-lo ao governador Pôncio Pilatos amanhã, como um perturbador da ordem pública. Enquanto isso, eles o julgam e o condenam como culpado em assuntos religiosos.
Seu tribunal tem o direito de conhecer casos dessa natureza, embora nunca possa sentenciar pena de morte[28]. Portanto, Jesus é levado à casa de Anás, sogro do sumo sacerdote Caifás, onde, de acordo com as disposições tomadas anteriormente, o primeiro interrogatório deve ser realizado. Esses homens sanguinários passam a noite sem descansar. Depois que seus guardas marcharam para o Jardim das Oliveiras, eles contaram os momentos, incertos do sucesso da conspiração; já tinham sua presa cobiçada nas mãos; seus desejos cruéis seriam agora realizados.
Suspendamos esta dolorosa história para retomar amanhã, quando, em ordem cronológica, ocorreram os mistérios augustos, que foram realizados para nossa instrução e salvação.
O dia anterior está cheio dos benefícios de nosso Salvador: ele nos deu sua carne como alimento, instituiu o sacerdócio da Nova Lei. Seu coração transbordou com as mais ternas expansões. Nós o vimos lutando com a fraqueza humana ante a iminência do Cálice da Paixão e seu triunfo sobre ela para nos salvar. Nós o vimos traído, algemado e levado cativo à cidade santa para consumar seu sacrifício. Adoremos e amemos o Filho de Deus, que podia salvar a todos nós com a menor de suas humilhações, e, no entanto, o que ele fez até agora não é senão o exórdio do grande ato de sacrifício que seu amor por nós o fez aceitar.
[1] Uma pela manhã para a reconciliação dos penitentes; outra para a consagração dos Santos Óleos; e finalmente outra, ao anoitecer, in Cena Domini em memória da Última Ceia.
[2] No século XII, a Missa para penitentes sem dúvida caiu em desuso; o Ordo Romano X simplesmente menciona que o Papa, ao meio-dia, fazia com que a lista daqueles que foram atingidos pela censura fosse lida para ele e então dava ao povo a indulgência costumeira (d. Schuster, Liber Sacr).
[3] Os “Cânones de Hipólito” (século III) nos mostram que esta cerimônia acontecia em todas as Missas pontifícias. No final do Cânone da Missa, o Bispo abençoava as frutas ou vegetais que lhe eram apresentados, e também consagrava o óleo usado para a unção dos enfermos no Sacramento da Extrema Unção, e para a devoção privada, como se guarda hoje o óleo usado em certos santuários.
[4] Bossuet, Oraison funebre d’Henriette d’Angleterre.
[5] II Coríntios 2, 15.
[6] Cântico dos Cânticos 1, 3.
[7] João 13,1.
[8] João 6, 41-59.
[9] João 13, 10.
[10] Mateus 24,28.
[11] Antigamente, quando as duas primeiras Missas ocuparam grande parte do dia, esta terceira Missa começava no Canon. Percebe-se que os textos da Ante-missa não têm relação direta com a Ceia: o Introito é da terça-feira anterior, a coleta pertence à liturgia de amanhã; a epístola é tirada do ofício da noite; o Evangelho foi lido em outro tempo na Terça Santa.
[12] Daqui em diante este é o lugar, ao menos donde seja fácil, para o Mandato, cuja explicação e texto damos mais adiante.
[13] I Timóteo 5, 10.
[14] De las fiestas de NSJC, t. VI, p. 57.
[15] Mateus 24,28.
[16] Lucas 22,26-27.
[17] Lucas 22,31-32.
[18] João 13,33-38.
[19] João 14.
[20] João 16.
[21] João 17.
[22] Mateus 25,38.
[23] Marcos 14,34.
[24] Mateus 26,40.
[25] Mateus 26,46.
[26] Lucas 22,48.
[27] Salmo 109.
[28] Por causa da dominação dos romanos estavam impedidos de aplicar a pena de morte (N.T.)

