SÃO PEDRO E SÃO PAULO (29/06)

SÃO PEDRO E SÃO PAULO, Apóstolos – 1ª classe
A RESPOSTA DO AMOR. — “Simão, filho de João; tu me amas?” Eis o momento em que se ouve a resposta que o Filho do Homem exigiu do pescador da Galileia. Pedro não teme o triplo questionamento do Senhor. Desde aquela noite em que o galo estava menos disposto a cantar do que o primeiro dos Apóstolos a renunciar ao seu Mestre, lágrimas contínuas cavaram-lhe duas rugas no rosto; amanheceu o dia em que essas lágrimas cessaram. Do cadafalso onde o humilde discípulo pediu para ser pregado de cabeça para baixo, o seu coração generoso repete, finalmente sem medo, o protesto que, desde a cena às margens do lago Tiberíades, consumiu silenciosamente a sua vida: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo!”
AMOR, CARACTERÍSTICAS DO NOVO SACERDÓCIO. — O amor é a característica que distingue o sacerdócio dos novos tempos do ministério da lei da servidão. O sacerdote judeu, indefeso, temeroso, não sabia nada além de derramar o sangue de vítimas simbólicas também num altar simbólico. Jesus, Sacerdote e Vítima ao mesmo tempo, exige mais daqueles a quem chama a participar da prerrogativa que o torna eterno Pontífice segundo a ordem de Melquisedeque “De agora em diante não vos chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu Senhor; mas vos chamarei de meus amigos porque vos comuniquei tudo o que recebi do Pai. Assim como meu Pai me amou, eu também vos amo; permanecei no meu amor.”
Ora, para o sacerdote assim admitido à união com o eterno Pontífice, o amor não é completo se não se estende à humanidade resgatada no grande Sacrifício. E note que para ele é mais rigorosa a obrigação, comum aos cristãos, de amarem-se como membros de uma mesma Cabeça; pois pelo seu sacerdócio ele se torna participante da Cabeça, e com esta participação a caridade deve ter nele algo do caráter e da grandeza do amor que essa Cabeça tem pelos seus membros. E quanto maior será se, ao poder que tem de sacrificar o próprio Cristo, e ao dever que o obriga a oferecer-se com Ele no segredo dos Mistérios, a plenitude do Pontificado acrescenta a missão pública de dar à Igreja o apoio de que necessita e a fecundidade que dela espera o Marido celeste? É então que, segundo a doutrina sempre defendida pelos Papas, pelos Concílios e pelos Padres, o Espírito Santo o adapta à sua sublime missão, identificando inteiramente o seu amor com o do Esposo, cujas obrigações ele assume e cujos direitos exerce.
O AMOR DE SÃO PEDRO. — Ao confiar a humanidade redimida a Simão, filho de João, o primeiro cuidado do Homem-Deus foi garantir que ele fosse um fiel vigário do seu amor; que, tendo recebido mais que os outros, o amaria mais que todos; que, sendo herdeiro do amor de Jesus pelo seu povo que estava no mundo, devia amá-lo, como Ele, até ao fim. Por esta razão, a exaltação de Pedro aos cumes da sagrada Hierarquia coincide no Evangelho com o anúncio do seu martírio como Sumo Pontífice, ele teve que seguir o supremo Hierarca até à cruz.
Agora, a santidade da criatura e, ao mesmo tempo, a glória de Deus Criador e Salvador, têm a sua plena realização no Sacrifício, que une o pastor e o rebanho no mesmo holocausto.
Para este propósito último de cada pontificado e de cada hierarquia, Pedro viajou por toda a terra depois da Ascensão de Jesus. Em Jope, quando ainda estava no início das suas peregrinações apostólicas, uma fome misteriosa tomou conta dele: “Levanta-te, Pedro; mate e coma”, o Espírito lhe disse; e ao mesmo tempo uma visão simbólica colocou diante dos seus olhos os animais da terra e os pássaros do céu. Eram os gentios que deviam reunir-se, à mesa do banquete divino, com os fiéis de Israel. Vigário da Palavra, tornar-se-ia participante da sua imensa fome; a sua caridade, como fogo devorador, assimilaria o povo; e, exercendo o seu título de chefe, chegaria o dia em que, verdadeiro chefe do mundo, ele faria desta humanidade, oferecida como presa à sua ganância, o corpo de Cristo em sua própria pessoa. Então, o novo Isaque, ou melhor, o verdadeiro Cristo, verá surgir diante dele a montanha para onde Deus olha, esperando o sacrifício.
O MARTÍRIO DE SÃO PEDRO. — Olhemos também, porque esse futuro tornou-se presente e, como na Sexta-Feira Santa, participamos no resultado que é anunciado. Participação feliz, toda triunfante: aqui o deicídio não mistura a sua nota sombria com a homenagem do mundo, e o perfume da imolação que agora sobe da terra, enche os céus apenas de suave alegria. Dir-se-ia que a terra, divinizada pela virtude da adorável hoste do Calvário, é autossuficiente. Pedro, simples filho de Adão e, com tudo isso, verdadeiro Sumo Pontífice, avança carregando o mundo: o seu sacrifício completará o de Jesus Cristo, que o investiu da sua grandeza; a Igreja, inseparável da sua Cabeça visível, reveste-o também da sua glória. Pela virtude desta nova cruz que se eleva, Roma torna-se hoje a cidade santa. Enquanto Sião permanecer amaldiçoada por ter um dia crucificado o seu Salvador, Roma poderá rejeitar o Deus-Homem, derramar o seu sangue sobre os seus mártires: nenhum crime de Roma prevalecerá sobre o grande feito que agora se realiza; a cruz de Pedro transferiu todos os direitos da cruz de Jesus, deixando aos judeus a maldição; agora Roma é a verdadeira Jerusalém.
O MARTÍRIO DE SÃO PAULO. — Sendo tal o significado deste dia, não é de estranhar que o Senhor quisesse aumentá-lo ainda mais, acrescentando o martírio do apóstolo Paulo ao sacrifício de Simão Pedro. Paulo, mais do que ninguém, prometeu com a sua pregação a edificação do corpo de Cristo; se hoje a Igreja atingiu este desenvolvimento completo que lhe permite oferecer-se na sua Cabeça como uma hóstia de odor mais suave, quem melhor do que ele mereceu completar a oblação? Acabou seu trabalho. Inseparável de Pedro nas suas obras de fé e de amor, acompanha-o do mesmo modo na morte; os dois deixam a terra se alegrar com as bodas divinas seladas com seu sangue, e ascendem juntos à mansão eterna, onde a união se completa.
VIDA DIVINA. — São Pedro, depois de Pentecostes, organizou com os outros apóstolos a Igreja de Jerusalém, depois as de Samaria e da Judéia, e recebeu na Igreja o centurião Cornélio, o primeiro pagão convertido. Tendo escapado milagrosamente da morte que o rei Herodes Agripa lhe preparara, deixou Jerusalém e dirigiu-se para Roma onde fundou, por volta do ano 42, a Igreja que mais tarde seria o centro da catolicidade. De Roma empreendeu diversas excursões apostólicas. Por volta do ano 50 esteve em Jerusalém para o concílio que decidiu a admissão dos gentios na Igreja, sem forçá-los a observar a lei mosaica. Ele então partiu para Antioquia, Ponto, Galácia, Capadócia, Bitínia e a província da Ásia.
Um incêndio destruiu Roma por volta do ano 64, e Nero, acusando os cristãos de tal catástrofe, mandou aprisioná-los em massa. Muitas centenas, talvez milhares, foram condenados à morte com vários tormentos: alguns crucificados, outros queimados vivos, outros entregues às feras no anfiteatro, outros decapitados. São Pedro, preso, segundo a antiga tradição, na prisão mamertina, foi crucificado de cabeça baixa nos jardins de Nero, na colina do Vaticano, e ali foi sepultado. A data exata do seu martírio não é conhecida: deve situar-se entre os anos 64 e 67.
A FESTA DE 29 DE JUNHO. — Depois das grandes solenidades do ano litúrgico e da festa de São João Batista, não há outra mais antiga e universal na Igreja do que a dos dois príncipes dos Apóstolos. Muito em cedo Roma celebrou o seu triunfo na mesma data de 29 de junho, que os viu ascender ao céu. Este costume prevaleceu mais tarde sobre o de alguns lugares, que marcavam a Festa dos Apóstolos nos últimos dias de dezembro. Foi certamente um belo pensamento fazer dos Padres do povo cristão a procissão de Emanuel, na sua vinda ao mundo. Mas, como já vimos, só os ensinamentos de hoje têm uma importância preponderante na economia do dogma cristão; são o complemento de toda a obra do Filho de Deus; a cruz de Pedro dá estabilidade à Igreja e aponta para o espírito de Deus como o centro imóvel das suas operações. Roma inspirou-se quando, reservando ao discípulo amado a honra de velar pelos seus irmãos junto à manjedoura do Menino Jesus, guardou a memória solene dos príncipes do apostolado no dia escolhido por Deus para consumar a sua obra e coroar o ciclo junto com suas vidas dos mistérios.
A MEMÓRIA DOS DOZE APÓSTOLOS. — Mas não devemos esquecer num dia tão grande os demais trabalhadores do pai de família, que também regaram com seu suor e sangue todas as estradas do mundo, para acelerar o triunfo e reunir os convidados para a festa de casamento.
Graças a eles, a lei da graça foi então pregada definitivamente a todas as nações, e a boa nova ressoou em todas as línguas e em todos os confins da terra. Por isso, a festa de São Pedro, completada de modo especial pela memória do seu companheiro de martírio, Paulo, foi considerada desde tempos muito antigos como a de todo o colégio dos Apóstolos.
Antigamente, acreditava-se que aqueles a quem o Senhor uniu tão estreitamente na solidariedade do seu trabalho comum não podiam ser separados do seu glorioso líder. Porém, ao longo do tempo, as festas foram sucessivamente dedicadas a cada um deles, sendo que a do dia 29 de junho foi dedicada exclusivamente aos dois príncipes cujo martírio ilustrou este dia.
E muito em breve a Igreja Romana, acreditando que não poderia convenientemente celebrar os dois no mesmo dia, partiu para o dia seguinte para homenagear mais explicitamente o Doutor das nações.
(Dom Gueranger, Ano Litúrgico, tomo IV, ano 1954, pp. 469-477)
